O Diabo Chegou

Temos a obrigação de compreender que não há recursos suficientes para fazer e desfazer e que é preferível sofrer agora um pouco a comprometer o futuro.

Andamos há quatro anos sob a ameaça de que o Diabo chegaria mais tarde ou mais cedo, mas não pensámos que seria sob a forma de um vírus importado da China, através, provavelmente, da Itália ou de um outro qualquer país. Mas aconteceu e agora temos à nossa frente uma tragédia humana e económica de grandes proporções, com que teremos de aprender a lidar, depois de termos perdido algumtempo.

Há mais de trinta anos, iniciei a escrita de umas crónicas então publicadas a que chamei " Crónicas do Futuro", onde durante três anos escrevi sobre a necessidade das sociedades modernas se habituarem a conviver e a estudar uma aceleração da mudança nunca vista antes e que as empresas e os governos precisavam de se habituar a pensar o futuro e a gerir na base da previsão do que o futuro nos reserva.

Com os anos aprendi que a tarefa não era demasiado difícil, desde que a estratégia fosse clara e o foco se centrasse na previsão e não na governação à vista.

Infelizmente, os governos portugueses, desde a adesão à União Europeia, nunca mostraram ter uma estratégia de futuro conhecida e apesar da AIP ter feito uma proposta de estratégia em 2003, através do documento "Carta Magna da Competitividade", muito pouca gente lhe deu a atenção devida. Por outro lado, os governos posteriores e particularmente a governação presente do PS, demonstra uma grande apetência para a gestão à vista e para a negação da realidade negativa, mas previsível.

Razão por que tendo a ameaça de pandemia sido conhecida desde Janeiro, o Governo tenha continuado a governar como sempre fez e sem antecipar medidas que nos protegessem da chegada do Diabo. Pessoalmente, teria feito em Janeiro a convocação das instituições cientificas e o Conselho de Estado, não mais tarde, com o objetivo de assumir o risco de fechar as fronteiras para todos os estrangeiros e prevendo o regresso dos portugueses que " aceitassem" ficar isolados de quarentena durante o tempo necessário.

Claro que se tratava de um risco, mas um risco perfeitamente justificado, nacional e internacionalmente, porque a alternativa que estamos agora a sofrer, terá consequências piores. Aliás, ninguém no seu juízo compreenderá que tivéssemos deixado regressar de Itália uma dezenas de profissionais e de turistas sem qualquer precaução digna de nota. Ou que não tenhamos aproveitado os dois meses passados para adquirir todo o material de protecção dos profissionais de Saúde e dos doentes, que se justificaria.

Na vida dos povos raramente há milagres e os problemas que enfrentamos hoje resultam da impreparação dos dirigentes políticos, nacionais e europeus, para governarem em antecipação das consequências futuras. Por exemplo, o desastre das migrações que afectam toda a política europeia – ver o que está a acontecer na Grécia – era perfeitamente previsível quando há vinte anos fizemos propostas concretas no XII Congresso do PS para o evitar. Ou quando o desvario económico e financeiro de José Sócrates estava a condenar gerações.

Não há milagres e na vida dos povos modernos a imprevidência quanto ao futuro paga-se caro. Razão por que, por exemplo, um grupo de pessoas tem lutado nos últimos anos para mostrar o erro de investir em obras públicas temporárias, quando temos todos a obrigação de compreender que não há recursos suficientes para fazer e desfazer e que é preferível sofrer agora um pouco a comprometer o futuro.

Voltando à questão do vírus, também não compreendo a despreocupação quanto a prever o desastre económico que se vai seguir, sem enfrentar o facto de que existem demasiados portugueses a aproveitarem a crise para evitar trabalhar e sem consequências. Por exemplo, não compreendo a reivindicação da paragem da AutoEuropa, pelo facto dos trabalhadores estarem a menos de dois metros uns dos outros. O que será então dos profissionais de Saúde, ou dos milhares que trabalham para manter o País a funcionar?

Salvo melhor opinião, acredito que a protecção dos doentes e dos sectores da sociedade com maior risco, não é incompatível com fazer a economia sobreviver.

por Henrique Neto
Empresário