Saúde ou Economia?

As medidas de distanciamento social não são só essenciais para minorarmos os contágios e a mortalidade, mas também para permitir a necessária retoma económica.

Como sabemos, estamos a passar por tempos muito difíceis e desafiantes. Os epidemiologistas e demais especialistas do setor da Saúde têm argumentado convictamente que o distanciamento social (mais a realização de testes abrangentes das populações) é a maneira mais eficaz para garantirmos não só que os nossos sistemas de saúde não fiquem assoberbados, mas também para diminuirmos o número de infetados e a mortalidade.

Ora, se não restam dúvidas que as medidas de confinamento são essenciais para a Saúde, também é por demais evidente que o impacto económico da pandemia será enorme. Os números preliminares referentes ao desemprego são sintomáticos: só nos EUA mais de 10 milhões de americanos ficaram desempregados nas duas últimas semanas; em Espanha, mais de 830 mil trabalhadores perderam os seus empregos em Março, e até na Noruega a taxa de desemprego já subiu para 10%, o nível mais alto desde a Segunda Guerra Mundial. O mesmo está acontecer em muitos outros países a um ritmo ainda mais avassalador do que durante a crise financeira de 2008.

Estima-se ainda que o impacto sobre a economia também será gigantesco e sem precedentes desde a Grande Depressão. Segundo a OCDE, o impacto inicial da pandemia e das necessárias medidas de isolamento irá situar-se entre os 15% e os 30% do PIB nos países da OCDE e do G20. Em Portugal, este impacto inicial rondará os 27% do PIB. Os setores mais afetados incluem o retalho e o comércio, o turismo, a construção e o imobiliário.

Mesmo se assumirmos que a economia irá recuperar rapidamente após o fim das medidas de distanciamento social, a OCDE estima que cada mês de isolamento levará a uma queda de 2% do PIB. Assim, não é estranhar que muitos estimem que a recessão da pandemia poderá levar a uma contração do PIB entre 5% e 10% em muitas economias. Só para percebermos o que estes números significam, é importante relembrar que a queda do PIB português na grave crise recente foi de cerca de 6% em 3 anos. Ou seja, estamos a falar de uma contração do PIB em muitos países tão grande ou superior à crise financeira internacional e a crise das dívidas soberanas europeias. Um desafio gigantesco para todos, mas principalmente para os países subdesenvolvidos (com os seus frágeis sistemas de saúde e de proteção social) e para os mais endividados (as crises de dívida de soberana vão infelizmente voltar).

Quer isto dizer que estamos a sacrificar a economia em prol da nossa saúde? Não, pelo menos não necessariamente. Há estudos que mostram que durante a grande pandemia de 1918, que durou até 1920 e matou mais de 50 milhões de pessoas, as cidades e países que adotaram mais rapidamente medidas de isolamento e de distanciamento social não só registaram menores taxas de mortalidade, mas também as suas economias recuperaram mais depressa e mais fortes.

Por outras palavras, face ao terrível impacto da pandemia, as medidas de distanciamento social não são só essenciais para minorarmos os contágios e a mortalidade, mas também para permitir a necessária retoma económica. Por isso, fiquemos em casa enquanto for preciso e comecemos a preparar o melhor possível as medidas que permitirão uma recuperação mais rápida da economia e a criação de emprego.

por Álvaro Santos Pereira
Economista, Ex-ministro da Economia