Num repente o mundo mudou!

A palavra quarentena entrou pelos olhos, pelo nariz de todos, sem saber o que ela significa escrita na carne com a caneta dos dias.

A intensa noção da realidade espalha um imenso pavor à volta de muitos, à volta de outros a comoção com uma simples flor ou com a frase repetida: «Se precisares diz».

Eu sei que paira dentro das casas o medo lacerante, a ansiedade e o tédio que vai matando aos poucos a esperança.

Vou vendo a aplicação do banco com números que não param de girar no sentido descendente, e o cristal líquido que acendemos (todos os dias à mesma hora) brilhando com a desgraça que não suspeitávamos.

Cavalga a dúvida e a morte pelas horas e surge, vinda dos suspiros aguçados do peito, a pergunta que esbofeteia:

Amanhã, amanhã, o que será amanhã?

O amanhã de mim?

O amanhã deles?

O amanhã das coisas?

Tanta resposta e nenhuma certa, há coisas que estão suficientemente perto para se perceber que estão longe.

Mas quando olhamos o abismo, há dois sentimentos: O medo de ser engolido e o desejo do milagre.

Cavalga a dúvida e a morte pelas horas; mas enquanto elas cavalgam há algo virtuoso, profundo e mágico acontecendo no mundo e em nós.

Nasce uma criança, descobrimos a bondade repartida pelas solidões, arvores dão fruto, muitos se juntam para aliviar a humana dor, o luar veste de prata a janela do quarto, os que não acontecem sozinhos e o vizinho deixa a comida aos pés da porta, os que se curam, o mar beijando a areia, a noite e o promontório.

Mas o mundo acontece obedecendo à lei suprema que o governa.

Nenhum corpo existe sem sombra e sem luz essa é a nossa lei.

Vamos multiplicar a luz na cruz do mundo, porque somos feitos do que é virtuoso, profundo, mágico e divino.

Não esqueçamos que amar é libertar e as coisas não passam de coisas e a vida vencerá.

por Ricardo Ribeiro
Fadista