EUA. Começou um “capítulo completamente diferente” da pandemia

O aviso partiu do governador de Nova Iorque, Andrew Cuomo, após três crianças infetadas com covid-19 terem morrido com sintomas de Kawasaki.

Após ultrapassar os 4 milhões de casos registados, aproximando-se das 300 mil mortes a nível mundial, a pandemia de covid-19 pode ter entrado “num capítulo completamente diferente”, avisou este sábado Andrew Cuomo, governador de Nova Iorque, o epicentro do surto norte-americano. As declarações acontecem numa altura em que se registou naquela cidade a morte de três crianças infetadas com o novo coronavírus. Todas sofreram uma reação severa, com sintomas parecidos com a síndrome de Kawasaki. Só naquele estado, 73 casos semelhantes, com crianças gravemente doentes, foram registados na última semana. “Pensámos que as crianças podiam ser veículos de transmissão… mas não pensámos que as crianças sofreriam com isso”, lamentou o governador.

Importa perceber se existe uma relação entre o novo vírus e a síndrome de Kawasaki, algo que a ciência ainda está a estudar. A doença será uma reação extrema do sistema imunitário após uma infeção prévia, em que as próprias defesas do corpo o atacam. Os sintomas passam por febre, diarreia, inflamações nos olhos, erupções cutâneas por todo o corpo, inchaço dos pés e das mãos. Nos casos piores pode haver inflamação das paredes das artérias, corte do fluxo de sangue para o coração e a morte. A doença afeta normalmente crianças abaixo dos cinco anos, mas uma das vítimas mortais em Nova Iorque era adolescente. “É o pesadelo de todos os pais”, lamentou Cuomo.

“Queremos tranquilizar os pais, isto parece ser incomum”, garantiu Jane Newburger, diretora do departamento para a Kawasaki no hospital pediátrico de Boston. “Apesar de a doença de Kawasaki poder danificar o coração e os vasos sanguíneos, os problemas geralmente desaparecem em cinco ou seis semanas e a maioria das crianças recupera completamente”, explicou a médica. Ainda assim, “raramente, mas algumas vezes, os danos para as artérias coronárias persistem”, avisou Newburger, lembrando que em países em desenvolvimento, a síndrome é a principal causa de doença cardíaca adquirida em criança, requerendo tratamento imediato.

No resto dos Estados Unidos, onde a pandemia cresceu mais tarde do que em Nova Iorque, a NBC encontrou até quinta-feira 21 casos de crianças infetadas com o novo coronavírus que tinham sintomas de Kawasaki. “Estamos todos ainda à espera da prova cabal para ter a certeza de que está associada à covid-19”, explicou Audrey John, diretora do departamento de doenças infecciosas do Hospital Pediátrico de Filadélfia – entre cinco a dez casos foram lá encontrados. É “certamente suspeito”, acrescentou a médica à televisão norte-americana.

Nos últimos anos, a síndrome de Kawasaki já fora associada a surtos sazonais de gripe, por exemplo. Investigadores chineses verificaram que a sazonalidade da Kawasaki acompanha a da gripe. Já em 2009, a pandemia de H1N1 também aparentava ter uma relação. Os coronavírus são completamente diferentes dos vírus da gripe, mas não é impossível que tenham também correlação com casos de Kawasaki.

Entretanto, pelo menos uma criança já morreu com sintomas semelhantes no Reino Unido. E o Hospital Pediátrico Evelina, em Londres, registou “um aglomerado sem precedentes de oito crianças com choque hiperinflamatório”, uma descrição semelhante à Kawasaki, num período de dez dias em meados de abril – geralmente, recebem apenas um ou dois casos por semana, lê-se na Lancet.