Enquanto as nações apreensivas procuram caminhos para escapar a uma recessão global anunciada pela pandemia, a SpaceX de Elon Musk apontou, no passado dia 30 de maio, o caminho para nos tornarmos numa espécie multiplanetária com cidades na Terra e em Marte.
Musk reúne características de um Leonardo da Vinci contemporâneo e mesmo os seus (muitos) críticos têm de lhe admirar a mente capaz de sintetizar design, gestão de empresas e inovação tecnológica. Identifica os obstáculos que a humanidade enfrenta e procura resolvê-los. Hoje, ninguém levaria este seu sonho de exploração do espaço a sério, se Musk não tivesse já transformado algumas das indústrias na Terra, seja com o PayPal ou com a Tesla, onde redefiniu a indústria dos automóveis elétricos. No caso da exploração do espaço, a inovação que motivou este voo da NASA suportado pela SpaceX partiu da ideia de foguetões reutilizáveis, baixando substancialmente os custos de cada viagem espacial. Ao enunciar este princípio, Musk materializou a promessa de viagens espaciais frequentes, necessárias à continuidade da exploração do espaço.
Imaginem que, num futuro distante, a humanidade multiplanetária desejada por Elon Musk contacta seres noutros planetas capazes de partilhar a faculdade da razão. Como lhes irá explicar que, na mesma semana em que a aeronave de SpaceX deixou a Terra com tripulação a bordo, no mesmo país, um polícia asfixiou com o joelho George Floyd?
Hoje há em diversas partes do mundo agentes de segurança capazes de violência brutal e injustificada. Até em Portugal, em março, foi notícia um homem espancado até à morte por três agentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras dentro do aeroporto de Lisboa. No entanto, no caso da morte de George Floyd, este ato registado em vídeo revelou o aparente sentimento de total impunidade do assassino. Matou, em pleno espaço público, perante a inação dos restantes polícias presentes e de alguns transeuntes, com uma calma incompreensível.
Como se explica que membros da mesma espécie humana sejam capazes de, por um lado, explorar o Universo infinito, e por outro, revelar comportamentos desta natureza? Como explicar que num país onde há mais violência este ato único tenha motivado uma onda de motins e protestos em tantas cidades assombradas pelo passado? Como explicar, a quem desconheça a nossa espécie, que alguns antepassados entenderam a superioridade tecnológica como um salvo-conduto para destroçar comunidades, enfiando os sobreviventes em navios com correntes ao pescoço, e condenando-os a uma vida de escravatura? Como explicar que quando o ser humano pisou a Lua ainda haviam, nos mesmos Estados Unidos, linchamentos motivados pela variação do tom da cor da pele? Porquê a pele, perguntarão incrédulos? Que fixação é esta pelo tom da cor da pele do outro?
A inquietação de Elon Musk vem, segundo o próprio, do desejo de olhar para o futuro e de não se sentir triste. Sente esperança na humanidade multiplanetária feita ‘por humanos, para humanos’. Haja esperança quando as palavras de quem domina os avanços tecnológicos de hoje parecem caminhar no sentido de consolidar uma humanidade comum capaz de ultrapassar os fantasmas do passado para conquistar um futuro mais humano, ou melhor, um futuro verdadeiramente humano.