Pedrógão. Três anos depois, voltou o medo

Depois dos incêndios de junho de 2017, a população de Pedrógão Grande não olha para o verde que renasceu das cinzas com tranquilidade. Os moradores garantem que há falta de limpeza, mas os especialistas defendem que são precisos entre cinco a dez anos para atingir o nível de 2017.

Depois dos tons cinzentos que os incêndios de 2017 deixaram, o verde regressou a Pedrógão Grande. Há eucaliptos a crescer entre restos de pinheiros queimados que nunca foram cortados, mas há sobretudo silvas e terrenos por limpar. A falta de manutenção dos terrenos florestais não passa despercebida e o regresso da tão aguardada mancha verde trouxe medo à população de Pedrógão Grande, e das aldeias do concelho onde morreram há três anos dezenas de pessoas.

Hoje, aqueles que ali vivem carregam na memória o dia 17 de junho e temem que o cenário se volte a repetir. Há um ano, as conversas ainda se centravam nas ajudas e na polémica da reconstrução das casas, mas este ano, os moradores falam daquilo que pode ser o futuro e garantem que, se nada for feito, o fogo volta.

A menos de 24 horas do dia que marcou o país pela morte de 66 pessoas e destruição de centenas de casas, três homens limpavam a berma da estrada da aldeia de Nodeirinho, onde morreram 11 pessoas. Trabalham a pedido da Câmara Municipal de Pedrógão Grande e limpam apenas as estradas – o restante é terreno privado da responsabilidade de cada proprietário. «Infelizmente, há mais gente que não limpa», disse Abílio Antunes, dono de uma empresa de limpeza terrenos. Apesar de garantir que ainda não faltou trabalho, explicou que, «seguramente, mais de metade está por limpar a esta altura», às portas do verão e das altas temperaturas. E as razões são várias: há quem não queira gastar dinheiro, há quem não tenha mesmo dinheiro e há terrenos que ninguém sabe quem é o dono porque, muito provavelmente, são terras de heranças que pertencem a várias pessoas. Encostado ao carro, enquanto um dos empregados limpa as ervas e as silvas que cresceram nos últimos tempos, Abílio Antunes transforma as palavras em imagens: «Só para ter noção, no Ramalho, ao pé de casa da minha avó, que morreu há três anos nos incêndios, aquilo é só mato, porque há uma pessoa que não quer limpar o terreno». «Se vem o fogo, aquilo vai tudo», acrescentou.

Não muito longo daquela estrada, entre Sarzedas e Salaborda Velha – aldeias também marcadas pelas chamas –, encontra-se Jorge Sousa. Este homem dá outra visão daquilo que está por limpar: «Os que fazem esses trabalhos andam a 12 euros à hora, se andarem três dias a limpar, os velhotes ficam sem reforma e depois vão buscar comida e medicamentos como? Às vezes nem chega para os medicamentos e têm de pedir fiado».

Os moradores reclamam ajudas do Governo e das autarquias na limpeza do terreno, avançando que só as multas não chegam. Há relatos de proprietários que são multados, mas os terrenos permanecem repletos de silvas.

Apesar do medo sentido em praticamente todas as aldeias, é preciso perceber se a carga de combustível – quantidade de vegetação propicia a incêndios – é a mesma, ou até mais, quando comparada à que existia há três anos. Emanuel Oliveira, técnico especializado nas áreas da defesa da floresta contra incêndios, explicou ao SOL que ainda falta muito tempo – entre cinco a dez anos – para atingir o nível de combustível que originou os incêndios de 2017. «É preciso recuperar a carga de combustível semelhante à que tinha Pedrógão antes do incêndio para termos uma estrutura em termos de vegetação que alimente um grande incêndio», disse Emanuel Oliveira, acrescentando que, «como foi relativamente recente, apesar de toda a gente olhar e ver que há eucaliptos a rebentar, isso ainda não está em condições para alimentar um grande incêndio».

O morador Jorge Sousa, além de defender que é necessária intervenção do Estado para limpar os terrenos, explica que a zona de Pedrógão Grande tem cada vez menos gente. Uma realidade que, aliás, se vê em toda a zona interior. «Os novos vão embora, porque aqui não há nada, nem há trabalho e os que cá estão já têm idades avançadas. Vão limpar terrenos com 80 ou 90 anos?», questionou o morador. E esta visão é partilhada pelo especialista em incêndios que reconhece que além das monoculturas de pinheiros e eucaliptos, «falta gestão de território à escala para evitar os grandes incêndios». «Fala-se muito de gestão de paisagem, mas é preciso ver que as pessoas abandonaram o território. Mesmo que seja uma ou duas famílias a sair, é menos terreno que fica cuidado. Vai ser muito difícil conter intervenção de escala de paisagem se não tivermos gente».

 

Onde o fogo nunca chegou

A mais de 20 quilómetros de Pedrógão Grande, encontra-se a aldeia de Ferraria de São João, onde o incêndio não destruiu nenhuma casa, nem deixou ninguém ferido. Ali, as chamas ficaram à porta graças à coluna de sobreiros plantados há décadas. E, logo após o incêndio, era bem visível o circulo que tinha ficado desenhado – preto por fora e intacto por dentro. São poucas as pessoas que ali vivem – perto de 40 –, mas chegam para conseguir manter a aldeia segura e contrariar a ideia de que o interior está desertificado e abandonado.

Já depois do incêndio «plantaram à volta centenas de sobreiros, carvalhos e castanheiros, onde arderam os eucaliptos», explicou a moradora Isilda Mendes, que ainda é do tempo em que havia rebanhos comunitários com mais de 1500 ovelhas.

Esta aldeia está grata aos sobreiros e quando o tema é incêndio, rapidamente se ouve o nome da tal árvore. É que, ao contrário dos pinheiros e eucaliptos, contou Isilda Mendes, os sobreiros «não deixam crescer mato e como a vegetação é mais pequena, o fogo não pega».

Agora, além de árvores que ajudam a prevenir a entrada de incêndios, «foi feita uma estrada ao pé dos sobreiros mesmo para impedir novos incêndios», acrescentou Isilda Mendes.