Reino Unido põe-se na frente da fila para a vacina da covid-19

Os britânicos compraram 180 milhões de doses de vacinas experimentais, de vários tipos, esperando que pelo menos uma seja segura. Para Portugal, que vai esperar até setembro, é uma discussão prematura.

Não é certo que qualquer uma das vacinas contra a covid-19, que estão a ser desenvolvidas um pouco por todo o mundo, sejam eficazes e seguras. Como tal, o Governo britânico jogou na antecipação, comprando enormes quantidades de vários tipos de vacinas experimentais. Ontem comprara 90 milhões de doses da vacina da universidade de Oxford, em parceria com a farmacêutica AstraZeneca – demonstrou bons resultados preliminares na última fase de testes, revelam os dados publicados ontem na Lancet. O Governo britânico também comprou 30 milhões de doses da vacina produzida pela alemã BioNtech e da norte-americana Pfizer, bem como 60 milhões de doses da empresa francesa Valneva – com opção de compra de mais 40 milhões de doses, caso os testes clínicos mostrem que funciona.

“É a coisa certa a fazer, para estar absolutamente na frente da fila, para garantir que estamos numa posição de conseguir essas vacinas primeiro quando elas ficarem disponíveis”, disse Gavin Williams, secretário da Educação britânico, que fez a ronda de imprensa do Governo, citado pela BBC.

Já a ministra da Saúde portuguesa, Marta Temido, notou que, de facto, “há algumas vacinas que são mais promissoras”, que Portugal deverá avaliar uma delas no final de setembro, mas qualquer ação deve ser concertada dentro da União Europeia. Para a ministra, no que toca a estas vacinas, é “prematuro ter mais do que expetativas relativamente ao seu sucesso”.

Nesse aspeto, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, concorda. “Obviamente tenho esperança, estou a fazer figas, mas dizer que tenho 100% certeza que conseguiremos a vacina este ano, ou até no próximo, é infelizmente um exagero”, avisou Johnson. “Ainda não estamos nesse ponto”.

Para a maioria dos especialistas, a melhor esperança de um verdadeiro regresso à normalidade, sem receio de ter de voltar ao confinamento de tempos a tempos, é uma vacina eficaz. Contudo, não se trata de um processo fácil: as vacinas têm um processo de aprovação muito mais lento que outros medicamentos, dado que serão tomadas por milhões e milhões de pessoas saudáveis.

Ainda assim, com todos os recursos disponíveis e as melhores mentes da epidemiologia dedicadas ao assunto, o processo avança com uma velocidade sem paralelo – normalmente, uma vacina pode demorar mais de uma década a ser aprovada. Para não deixar nada ao acaso, vários tipos de vacina estão em cima da mesa, algumas na última fase de testes clínicos, com milhares de cobaias. No Reino Unido, o Serviço Nacional de Saúde já divulgou um link para os interessados se registarem. A expectativa é que meio milhão de pessoas participe, podendo receber a vacina experimental ou apenas um placebo. 

 

Não meter todos os ovos no mesmo cesto Afinal, concretamente, qual é a diferença entre as vacinas experimentais que o Reino Unido comprou? No caso da vacina da Universidade de Oxford e da AstraZeneca, que dá pelo nome pouco sonante de ChAdOx1 nCoV-19, combina material genético do SARS-Cov-2 com um adenovírus de chimpanzé, um tipo de vírus conhecido por causar constipações, que funciona como veículo para o genoma do coronavírus. Segundo os investigadores, os pacientes inoculados tiveram uma resposta imunitária forte, com apenas alguns efeitos secundários ligeiros, como dores musculares, arrepios ou febre.

No que toca à vacina da Valneva, é composta por uma versão inativa do SAR-Cov-2, que estimula o sistema imunitário a produzir anticorpos, que desse modo já existem caso sejamos infetados. É uma velha e experimentada abordagem, semelhante à utilizada na primeira vacina moderna, criada em 1796, contra a varíola. 

Já a vacina da BioNtech e da Pfizer, testada em parceria com a chinesa Fosun, baseia-se numa abordagem arrojada: usa RNA mensageiro, ou mRNA, a molecula que transporta informação dos genes para os ribossomas, para enganar as nossas células, de maneira a que produzam anticorpos. Por um lado, os seus defensores dizem que seria uma vacina mais barata de produzir; os detratores lembram que, até agora, esta técnica nunca foi utilizada contra uma doença infecciosa – talvez seja por isso que o Governo britânico comprou uma quantidade muito mais pequena desta vacina.

 

Não vale a pena desesperar quanto à imunidade Mesmo que alguma destas vacinas seja segura e eficaz, continua a haver um certo grau de insegurança no futuro. Sendo o SARS-CoV-2 tão recente, ainda nem é certo quanto tempo durará a nossa imunidade. Um estudo recente do King’s College, de Londres, sugere que a imunidade podia desaparecer dentro de meses: a ideia de que seria preciso criar estrutura para que a população tomasse a vacina com essa regularidade é um pesadelo logístico.

Contudo, ainda não vale a pena desesperar, asseguram vários cientistas, que vêm falhas no estudo do Kings College, por apenas analisar uma pequena parte da resposta imunitária, e exageros nos jornais. “Eu estava definitivamente muito preocupado quando vi as manchetes”, contou o virologista Shane Crotty, do instituto de imunologia La Jolla , à Atlantic. “Mas depois olhei para os dados. E, de facto, olhando para os factos, senti-me muito tranquilo”.