A bolha de negação em que se fecharam os republicanos

Trump deu por si atrás nas sondagens, a perder tração nos swing states, com uma pandemia nas mãos e protestos massivos contra o racismo nas ruas. A sua solução parece ser o medo e a negação. 

Quem assistiu aos primeiros dias da Convenção Nacional Republicana poderia esquecer, brevemente, que o país enfrenta um brutal surto de covid-19 que já matou mais 180 mil pessoas, ultrapassando os cinco milhões de infeções. Escutando a vasta maioria dos oradores, dava a impressão que o vírus é uma ameaça derrotada – “foi horrível, dificuldades e sofrimento em todo o lado”, mencionou Larry Kudlow, um conselheiro económico do Presidente Donald Trump, dando-se ao luxo de falar no passado – enquanto lá fora morriam milhares de norte-americanos. Na audiência da convenção, dividiu entre Washington e Charlotte, na Carolina do Norte, não havia as habituais multidões. Mas também não havia muitas máscaras à vista, nem foram obrigatórios os testes à covid-19, exepto para os convidados nas filas mais próximas do Presidente.
A notável exceção nesta bolha de negação foi o discurso da primeira-dama, Melania Trump, que ofereceu uma rara admissão de que uma catástrofe está de facto a decorrer. Melania, que já nos habituou ao papel de rosto humano da administração Trump, saudou os profissionais de saúde e expressou as suas condolências a todos aqueles que perderam entes queridos.
“O Donald não vai descansar até ter feito tudo o que pode para tomar conta de quem foi afetado por esta terrível pandemia”, prometeu a primeira-dama, esta terça-feira, apesar de todas as evidências do contrário. Aliás, os falhanços da Donald Trump, que prometeu que a pandemia desapareceria como que por milagre, e se opôs abertamente às medidas mais básicas contra a covid-19, como o isolamento social, uso de máscaras ou testes em massa, têm sido apontados como um dos motivos para os EUA sofrerem o pior surto de covid-19 do planeta.
Numa altura em que quase dois terços dos norte-americanos vêm a gestão da pandemia como um dos principais temas destas eleições, segundo uma sondagem recente do Pew Research Center, Trump sabe que está em maus lençóis. Até as sondagens da Fox News, tão próxima do Presidente, mostram-no atrás do candidato democrata, com 42% das intenção de voto versus os 42% de Biden.
Contudo, como vimos nas presidenciais de 2016, estar atrás nas sondagens não implica necessariamente perder as eleições. Além disso, no complexo sistema eleitoral norte-americano, em que o vencedor de certo estado ganha todos os seus representantes no colégio eleitoral, que elege o Presidente, muito depende dos chamados swing states, os estados indecisos. Por azar de Trump, estes estão entre os mais afetados pela pandemia.
Um caso emblemático é da Florida, o maior dos swing states, que sofreu um dos piores surto do país, após Trump gabar o seu governador, Ron DeSantis, por ser dos primeiros a reabrir. Por mais que os representantes à convenção republicana ignorem a pandemia, os eleitores não parecem ter-se esquecido – Biden tem mais 5% das intenções de voto de Trump na Florida, segundo as sondagens da CNN.

Racismo e milícias Neste annus horribilis de 2020, a pandemia de covid-19 não é sequer a única crise que o Presidente dos EUA tem de enfrentar: muitos norte-americanos continuam a sair à rua, contra o racismo sistémico e a violência policial. Esta semana, depois de Breonna Taylor e George Floyd, o nome de Jacob Blake, que luta pela vida após ser baleado sete vezes nas costas pela polícia, somou-se aos cânticos dos ativistas. Ainda esta terça-feira dois manifestantes foram mortos a tiro, em Kenosha, no Wisconsin. Os vídeos, vistos pelo Guardian, mostram um jovem branco, agachado, a abrir fogo com uma espingarda semi-automática. Suspeita-se que integrasse uma milícia local, que tem recrutado online para patrulhar as ruas, avançou o Milwaukee Journal Sentinel.
Ao contrário da pandemia, este foi um tema que os republicanos não ignoraram, antes pelo contrário. Até convidaram para discursar na sua convenção Mark e Patricia McCloskey, um casal de advogados abastados que ganharam fama ao serem filmados brandido armas de fogo contra manifestantes que entraram na estrada do seu condomínio privado, em St. Louis, no Missouri, rumo a um protesto. “Temos aqui crianças!”, gritou alguém no meio da multidão. Felizmente, ninguém ferido.   
“Não se enganem, não importa onde vivam, a vossa família não estará segura na América dos democratas radicais”, prometeram os McCloskey, esta segunda-feira, no seu discurso.
A mensagem não podia estar mais afinada com a do partido republicano de Trump, que apesar de ter chamado ao palco da convenção todos os seus senadores e congressistas negros, continua a negar a existência de racismo no país, considerando os protestos em curso com criminalidade ou vitimismo. O tom roça o apocalíptico. “Anarquistas têm inundado as nossas ruas. Motins, saques e vandalismo”, enumerou o filho mais velho do Presidente, Donald Trump Jr.