Da italiana Rita Pavone à francesa Sylvie Vartan, passaram pelo cineteatro Monumental dezenas de artistas que ficaram na memória. No espaço de 70 anos, o Monumental já vai na terceira vida: A primeira foi dedicada ao espetáculo e a última, que só terá início no próximo ano, estará virada para o negócio.
O espaço que marcou a história da cultura alfacinha prepara-se para um novo capítulo. A conclusão das obras no edifício Monumental, em plena Praça Duque de Saldanha, em Lisboa, está prevista para o primeiro trimestre do próximo ano, avançou ao SOL a empresa espanhola Merlin Properties, que comprou o edifício de 12 pisos em 2016, por 60 milhões de euros, à norte-americana Lone Star.
A intervenção que ainda decorre, avançou a Merlin, é de «reabilitação e melhora profunda do edifício», não havendo «qualquer ampliação do imóvel».
Quando as obras começaram, no ano passado, os clientes que tinham ali os seus escritórios começaram a mudar-se, incluindo aqueles que ocupavam mais espaço, como a consultora KPMG. Aliás, a KMPG mudou-se para o edifício situado ao lado do Monumental. Agora, o grande inquilino do Monumental será o BPI, que vai ocupar cerca de 80% da área bruta do local. Segundo a Merlin, foi assinado um acordo com o banco liderado por João Oliveira e Costa para que o BPI ocupe 19.500 metros quadrados da área bruta do edifício. A transação foi assessorada pela CBRE, em representação da Merlin Properties, que, em comunicado, falou da «terceira vida do edifício Monumental», referindo André Almada, diretor sénior da CBRE em Portugal, que «o facto de a transação ter sido concluída a quase um ano de distância da conclusão das obras de reabilitação, comprova não só a forte dinâmica do mercado de escritórios, como reforça as expectativas de que a atual conjuntura poderá ser ultrapassada de forma positiva».
Além dos escritórios, o Monumental terá seis mil metros quadrados destinados a espaços comerciais, distribuídos pelos pisos 0 e -1.
Uma despedida com Guerra e Paz
O Monumental já teve muitas vidas e, desde 1951, ano em que deixou de ser apenas um plano, passaram por aquele sítio dezenas de artistas. Quando o assunto é o Monumental, facilmente se associa o cinema e o teatro, não fossem as suas salas conhecidas exatamente pelo cinema e pelo teatro. Relativamente às obras que decorrem, «não houve qualquer intervenção» nas salas de cinema, avançou a empresa espanhola Merlin. O Monumental tem quatro salas de cinema, sendo uma delas o cineteatro com 378 lugares.
Até ao ano passado, o cinema Monumental era explorado pela Medeia Filmes, do produtor Paulo Branco. Numa sessão de cinema gratuita, a Medeia Filmes encerrou um dos capítulos da sua história com o filme Guerra e Paz, de King Vidor (1956). Hoje, a agenda de cinema independente mantém atividade em Lisboa, no Espaço Nimas, e continua a exibir filmes no Porto, em Setúbal, na Figueira da Foz, em Braga e em Coimbra.
O facto de não terem sido eliminadas as salas de cinema poderá significar que o cinema regressa ao Saldanha no primeiro trimestre de 2021, naquela que é uma zona conhecida por esta arte, pelo menos desde 1951. Consta que em 1943, Mário de Figueiredo, na altura ministro da Educação Nacional, colocou em cima da mesa uma proposta: construir «uma casa de espetáculos como ainda não há em Lisboa […] com salas independentes para teatro de declamação ou música ligeira, concertos e cinema». A ideia estava lançada e em 1946 foi aprovada a sua construção. O arquiteto Raul Rodrigues Lima foi responsável pelo desenho do cineteatro Monumental que, mais tarde, deu origem a outros projetos idênticos no resto do país.
E foi em 1951 que começaram a passar pela Praça Duque de Saldanha alguns dos grandes nomes do teatro, da música e do cinema. A 8 de novembro daquele ano, Laura Alves e João Villaret protagonizaram a opereta As Três Valsas, produzida por Vasco Morgado. No Museu Nacional do Teatro existe ainda uma fotografia de Laura Alves tirada durante a interpretação dessa peça. A entrada do emblemático edifício era composta por sete portas em forma de arco, onde estava a bilheteira. Já os funcionários tinham acesso a uma entrada virada para a Avenida Praia da Vitória.
Lá dentro, duas grandes salas levaram o Monumental a ser referência arquitetónica: uma sala de cinema com 1967 lugares e uma sala de teatro com 1086 lugares. Também a revista se estreou ali, mais especificamente em 1952. Um ano depois da inauguração do Monumental, a primeira revista levada à cena neste espaço foi Lisboa Nova, também com a atuação de Laura Alves, que foi um dos grandes nomes daquela sala de teatro durante anos.
Depois dos tempos de glória, a década de 70 trouxe dias negros para a história do Monumental. As centenas de lugares deixaram de estar constantemente ocupados, as pequenas salas de cinema começaram a aparecer pela cidade de Lisboa, roubando espetadores, e, em 1983, o cineteatro começa a ser demolido. A última peça do Monumental, Pai precisa-se, é exibida quando quase todo o material do interior do edifício tinha sido já retirado, com Laura Alves no elenco.
A demolição do Monumental deu que falar e, na altura, Nuno Krus Abecasis, presidente da Câmara Municipal de Lisboa na época, chegou a dizer que o edifício nunca tinha sido considerado uma obra de arte. Houve quem avançasse para tribunal e houve uma ordem para parar a demolição que chegou tarde, quando do edifício já não sobravam nem paredes.
Há 26 anos, o Monumental reergueu-se e voltou a abrir portas. Era, aliás, desde 1993 que a Medeia Filmes ali estava, em exibição. As salas, ainda que mais pequenas, voltaram a estar no mesmo sítio, mas com o passar dos anos, o cinema e o teatro foram perdendo força no Monumental. Agora, são os escritórios e o comércio os símbolos do icónico Monumental.