Uma outra pandemia invisível

Numa altura em que falamos de recuperar a economia, e de ambicionar pensá-la a 10 anos, é fundamental nunca esquecermos que essa economia não funciona sem pessoas, e funcionará tanto melhor quanto mais motivadas, felizes, seguras e integradas elas se sentirem.

Amanhã contar-se-ão sete meses desde que a OMS declarou como pandémica a ameaça de saúde pública provocada pelo SARS-CoV-2.  Por detrás dos fenómenos mais flagrantes, como o desemprego e a contração da economia, um dos domínios em que este contexto nos impacta de forma considerável é o da nossa saúde mental. Portugal já era, antes da crise de 2008, o segundo país da UE com maior prevalência de doença mental registada nos 12 meses anteriores – 22,9%.

Entre 2008 e 2015, a prevalência estimada de situações de perturbação psicológica subiu de 19,8% para 31,2%, sendo que a faixa etária entre os 18 e os 34 anos foi a que registou um maior aumento. Somos hoje o quinto país do mundo com maior consumo de antidepressivos. Facilmente compreenderemos que a pandemia, que trouxe consigo a agravante de minimizar as nossas interações sociais, pode arrastar o país para um cenário ainda mais preocupante numa matéria tão sensível como esta. Sensível porque, sendo uma das principais causas de incapacidade na nossa sociedade e estimando-se que tenha um impacto económico na ordem dos 4% do PIB, é ainda um desafio reconhecer, valorizar ou falar abertamente da nossa (falta de) saúde mental.

Em 2018, os mesmos 87% de adolescentes que consideraram ter um nível de saúde ‘bom ou excelente’, indicaram sentir-se recorrentemente nervosos, irritados, tristes ou com medo. Mais recentemente, 48% dos jovens entre os 18-24 anos manifestaram ter piorado o seu estado de saúde mental durante a pandemia. Todo este cenário deve preocupar-nos, se tivermos em conta que cerca de 50% das doenças mentais são despoletadas por volta dos 14 anos, 75% até aos 25.

Numa altura em que falamos de recuperar a economia, e de ambicionar pensá-la a 10 anos, é fundamental nunca esquecermos que essa economia não funciona sem pessoas, e funcionará tanto melhor quanto mais motivadas, felizes, seguras e integradas elas se sentirem. É crítico, sim, que o Estado estabeleça estratégias e mecanismos que permitam à economia revigorar a sua atividade e, com isso, gerar novas oportunidades e postos de trabalho que deem às pessoas uma perspetiva de estabilidade e futuro. Mas esse Portugal moderno e competitivo que ambicionamos precisa também de uma rede robusta que esteja ao lado de todos os portugueses que, momentânea ou cronicamente, se encontrem debilitados por estas ‘perturbações’ invisíveis.

Que esta conjuntura seja um vetor suficientemente forte para reforçar esta área de cuidados e fazer dela um eixo primordial do sistema de saúde, não só no âmbito da recuperação imediata do impacto da pandemia, mas como valência contínua da atividade assistencial.

Para isso, é desde logo imperioso reconhecer que há ainda graves assimetrias regionais por corrigir, por via do reforço das equipas especializadas do SNS, da instituição do cheque-psicólogo, de protocolos colaborativos com setor social ou privado onde assim se justifique ou, ainda, de aposta em bons modelos de teleconsulta. É fundamental fortalecer as redes de apoio junto dos jovens, no âmbito das quais a JSD defende a implementação de um rastreio validado para o suicídio e de estratégias integradas que promovam a saúde mental, capacitando os mais novos para lidarem cada vez melhor com este tipo de perturbações.

Hoje é o Dia Mundial da Saúde Mental. É o dia de reconhecer que uma geração mais feliz será sempre uma geração com mais futuro. Na JSD, é por esse desígnio, e por esse país, que fazemos política.