EUA. Trump a caminho da derrota

Em risco de perder a Geórgia e a Pensilvânia, Trump está em negação. Mas a prevista maré democrata nunca chegou e questionam-se as sondagens.

EUA. Trump a caminho da derrota

Joe Biden está à beira de conseguir os 270 votos no colégio eleitoral que precisa para vencer as presidenciais norte-americanas. As eleições podem ficar já arrumadas na Geórgia, um histórico bastião republicano, onde os democratas estão à frente. As coisas só devem piorar para Donald Trump neste estado – a maior parte dos votos por contar são de Atlanta, uma cidade com enorme proporção de negros, avassaladoramente democrata. Ganhando na Geórgia, à frente no Nevada, mesmo que Biden perca a Pensilvânia – onde também passou para a liderança esta sexta-feira – os únicos percalços no seu caminho para a Casa Branca são potenciais recontagens de voto em estados como o Wisconsin, Michigan ou Arizona. Algo que pode fazer os resultados arrastarem-se mais uns tempos.

A reação de Trump foi pura negação. «Se contarem os votos legais, ganhei facilmente. Mas se contarem os votos ilegais, eles podem tentar roubar as eleições», declarou o Presidente em conferência de imprensa, falando de uma alegada fraude eleitoral, da qual não foram apresentadas quaisquer provas. «Como toda a gente viu, nós ganhámos com números históricos», continuou.

«Houve uma onda vermelha e foi adequadamente reconhecida pelos media», garantiu Trump, referindo-se à cor republicana, num discurso completamente desligado da realidade. De tal forma que alguns dos maiores canais americanos optaram por cortá-lo, dando voz em vez disso a fact-checkers.

«Estamos na posição desconfortável de não só interromper o Presidente dos Estados Unidos, mas de corrigi-lo», admitiu no ar o apresentador da MSNBC, uma estação alinhada com os democratas. Já a Fox News, o canal conservador que funcionou como uma espécie de porta-voz não oficial do Presidente nos últimos anos, parece estar dividido, numa guerra interna entre a sua secção jornalística e de opinião.

Por um lado, os analistas da Fox News até foram os primeiros a projetar a vitória de Biden no Arizona, um swing state decisivo, enfurecendo a campanha de Trump, que chegou a contactar o dono da estação, o magnata Rupert Murdoch. Por outro, as vedetas de opinião da Fox News, como Sean Hannity, disputaram abertamente as conclusões dos analistas do seu canal, que deu ordens aos pivots para que nunca se referissem a Biden como «Presidente eleito», mantendo em aberto a contestação das eleições por Trump. «Vamos noticiar ambos os lados até novas indicações», lia-se no memorando, visto pela CNN.

Até o tabloide New York Post, propriedade de Murdoch, que durante a campanha deu gás às alegações de corrupção contra o filho de Biden, Hunter, se virou contra o Presidente com a manchete: ‘Trump caído em desgraça faz alegações sem fundamento de fraude eleitoral’.

Para o Presidente, que haja sequer dúvidas sobre quem é que os media de Rupert Murdoch devem apoiar é uma dor no coração – revelador do quanto o establishment republicano o começa a abandonar. «Porque é que achas que o Rupert me ataca tão frequentemente?», perguntou Trump a Christopher Ruddy, fundador do grupo de media conservador Newsmax, segundo o Financial Times. «O Rupert diz-me sempre na cara que me adora, mas acho que não».

O casamento entre Trump e o conglomerado de media Murdoch não teve um começo fácil. Em 2016, quando o futuro Presidente lutava pela nomeação a candidato republicano, a Fox News criticou-o ferozmente – as rapidamente voltou atrás, face a uma quebra nas audiências de que só recuperou após se reaproximar de Trump.

Agora, surgem rumores de que Trump estaria a considerar lançar o seu próprio canal após as eleições. Algo que foi relacionado com a quebra nas ações da Fox News, na quarta-feira, segundo o Financial Times.

O falhanço das sondagens

O discurso do Presidente também incluiu críticas ao falhanço das sondagens, que durante meses previram uma grande vitória de Biden, em vez da tímida margem que conseguiu. «Eles pensavam que ia haver uma grande onda azul. Isso era falso, e foi feito por motivos de supressão», criticou Trump. «Tenho de chamar-lhes sondagens impostoras, sondagens falsas, desenhadas para manter os nossos eleitores em casa, criar a ilusão de ímpeto de Biden».

Contudo, há explicações mais mundanas para o novo falhanço das sondagens, que já em 2016 previram a vitória de Hillary Clinton. Parte da discrepância pode ser justificada pela complexidade do sistema eleitoral dos EUA, que dá o total de votos de um estado ao vencedor. Basta ligeiras flutuações nos sítios certos para alterar completamente os resultados.

Contudo, as sondagens nacionais deste ano não se saíram muito melhor que as sondagens nos swing states. Na manhã de 3 de novembro, uma compilação de sondagens da RealClearPolitics dava uma estrondosa margem de 7,4% a Biden; horas depois, ficava claro que a margem real seria pouco superior aos 2%.

«Depois das minhas previsões, que davam uma hipótese de 98% de Hillary Clinton vencer no dia das eleições, colidirem com o facto da vitória de Trump, passei muito tempo a considerar o que correu mal», admitiu Natalie Jackson, no site de sondagens apropriadamente chamado Sabato’s Crystal Ball, ou ‘bola de cristal do Sabato’.

Numa época em que as sondagens são cada vez mais telefónicas, sobretudo este ano, com a pandemia de covid-19, «o enquadramento ideal não se aplica desde meados dos anos 2000, quando as pessoas trocaram os telefones fixos por telemóveis», escreveu Jackson. Com os telemóveis veio o reconhecimento de chamadas – num mundo com cada vez mais chamadas comerciais, quem é que ainda atende números desconhecidos?

A percentagem de pessoas que respondem a sondagens caiu a pique nas últimas décadas, de 36% para 6%, segundo o Pew Research Center.

Alguns analistas apontam para outro padrão, aquilo a que chamam síndrome de ‘eleitor tímido de Trump’. Ou seja, «numa América em que os apoiantes de Trump são rotineiramente apelidados de racistas, não surpreende que muitos prefiram manter a sua orientação política para si mesmos», explicou o analista americano Salvatore Babones, numa coluna no Sydney Morning Herald.

Outro fator são os constantes ataques de Trump contra as sondagens, como vimos nos últimos dias. Estes ataques são alimentados pelo facto destas subvalorizarem sistematicamente o peso dos seus apoiantes, o que torna mais provável que os seus apoiantes não respondam a inquéritos, num círculo vicioso.

Os constantes erros nas sondagens não só impactam a credibilidade dos jornalistas que as difundem, como também tem efeitos reais na disputa política. «Alguma pesquisa mostra que previsões de eleições demasiado seguras para algum candidato podem baixar a participação eleitoral, o que pode importar em corridas mais à justa», avisou Jackson.

Outro fator é as campanhas eleitorais muitas vezes serem desenhadas em função de sondagens, sobretudo num sistema eleitoral tão complexo como o dos EUA, em que o vencedor de um estado fica com os votos todos. «Se as sondagens estiveram tão erradas durante meses, dados que estão bastante estáveis desde então, isso significa que recursos de campanha podem ter sido também mal alocados», notou o professor Nick Beauchamp, de Ciências Políticas da Northeastern University, no site da faculdade.

Por exemplo, porque que é que os democratas haveriam de investir um cêntimo que fosse a fazer campanha no Ohio, Carolina do Norte, ou Texas, tudo bastiões republicanos, se não fossem as sondagens a dar-lhes uma hipótese de vitória? Em vez disso, enterraram milhões de dólares nestas corridas, sem que se visse a prometida maré vermelha, vencedora por margens curtíssimas em estados onde eram mais fortes, como o Michigan ou Wisconsin – ficando sujeito a potenciais recontagem dos votos.