“Ninguém fala de como é que se pilota um avião, mas toda a gente sabe como se trata a pandemia”

“Quando se fala em comunicação fico abismada como é que se diz que é a DGS que não comunicou bem, porque a DGS é apenas um dos elementos desta interação de mensagens que são multivariadas”, defendeu a diretora-geral da Saúde.

“Ninguém fala de como é que se pilota um avião, mas toda a gente sabe como se trata a pandemia”

A diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, considerou, numa entrevista à agência Lusa, que o facto de haver muitos emissores de informação sobre a covid-19 pode baralhar o público e leva  à "fadiga pandémica".

"Neste momento a informação não é a DGS [a liderar], por muito estranho que isto possa parecer… nem é de todo apenas o setor técnico. (…) Nenhuma de nós aqui fala de como é que se pilota um avião, mas toda a gente sabe como é que se trata a pandemia", afirmou Graça Freitas, citada pela agência noticiosa, admitindo que no início da pandemia "foi mais simples" comunicar, uma vez que Direção Geral da Saúde (DGS) e o setor da saúde "é que sabiam dos planos de contingência e das medidas a tomar e [ainda porque] as pessoas estavam ávidas de ouvir essa informação e ouviam".

"Há a comunicação técnica e a institucional, que é sobretudo passada pela DGS, pelo INSA [Instituto Nacional de Saúde], pelo Infarmed [Instituto Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde]. (…) Depois temos a informação política, a informação dos media, das pessoas que têm o maior tempo de antena de todas, que são os jornalistas (…) e, depois, temos os vossos convidados, os peritos e não peritos, todas as pessoas que opinam, os negacionistas, os catastrofistas, os de todos os quadrantes que se tornaram lideres de opinião", explicou.

"Portanto, quando se fala em comunicação, (…) fico abismada como é que se diz que é a DGS que não comunicou bem, porque a DGS é apenas um dos elementos desta interação de mensagens que são multivariadas", defendeu.

"Se ouvirmos 24 horas de comunicação (…) já nem falo de canais estrangeiros, se formos aos media tradicionais (…) é uma multiplicidade de mensagens, umas parecidas outras menos parecidas, umas ditas da mesma maneira, noutras não usamos todos as mesmas palavras, eu calculo que o cidadão normal, aquele para quem nós supostamente estamos a comunicar, em determinados dias fique de facto baralhado", disse.

Para Graça Freitas, este excesso de informação ajuda à fadiga pandémica.

"A fadiga pandémica tem sido muito falada porque ela existe. Não estamos habituados a períodos tão longos de crise coletiva com este impacto”, sublinhou, referindo que "a fadiga pandémica advém de um coletivo de pessoas, que praticamente é o planeta inteiro, submetido a uma pressão enorme, que é a pressão da pandemia e que nos levou a todos, em diferentes fases, a receber informação massiva, que cansa".

"[Para combater a fadiga pandémica] a primeira coisa que temos que dar às pessoas é uma perspetiva de futuro, mais tarde ou mais cedo vai acabar, nós não sabemos é quando. (…) Temos de ter esperança de que as coisas vão melhorar. E as pessoas têm de ter confiança nos seus sistemas de saúde e social. E depois é pensar que está nas nossas mãos, não há outro remédio, contrariar o vírus. Não podemos é ser tudo ou nada, oscilar entre o medo e o confinamento total e a seguir acordar a achar que já não é preciso fazer nada", disse.

A diretora-geral da Saúde considera ainda que algumas críticas apontadas à DGS são injustas.

"Nós não fazemos apenas as conferências de imprensa, nós fazemos muito mais coisas. Pode dizer que essas coisas se perdem, se calhar… mas nós fizemos imensas campanhas. (…) Tivemos e temos intervenções nas redes sociais permanentes, visitam-nos dois a três milhões de pessoas, o nosso 'site' crasha [por excesso de acessos]", exemplificou.

"Temos tentado transmitir uma mensagem por multicanal que seja abrangente para a maior parte da população. E aqui eu reconheço que é mais fácil ter segmentos da população bem determinados", acrescentou.

Graça Freitas disse ainda que se continua a “lidar com incerteza a nível nacional e internacional".

"Não é completamente preto ou branco, como com outras situações que nós conhecemos bem, há aqui um terreno cinzento que às vezes não é fácil de explicar às pessoas", afirmou, referindo que a clareza das mensagens acaba por ser afetada pela quantidade de emissores.

"Se houvesse um estudo que visse quantas pessoas ao longo do tempo opinaram em Portugal sobre a pandemia, devia ser uma multidão… e a clareza das mensagens também tem que ver com estes aspetos. (…) E, obviamente, com o dia em que a mensagem foi dita", rematou.