Quão diferente será a ceia de Natal dos portugueses?

Em tempo de pandemia, o peru, o borrego e o bacalhau continuam a ser os reis das ceias natalícias, mas com moderação. E essa é mais marcada a sul do que a norte.

Quão diferente será a ceia de Natal dos portugueses?

Em ano de pandemia, tudo é diferente e o Natal não é exceção. Há apenas uma semana, o primeiro-ministro confirmou as normas previamente divulgadas a 5 de dezembro, como a circulação entre concelhos ou na via pública depois das 23h (desde que estejam em trânsito), e nos dias 24 e 25 a mesma será permitida até às 2h da madrugada seguinte. No entanto, António Costa também apelou a que, à volta da mesa das ceias natalícias, se reúnam o menor número de pessoas possível, usando máscara o «máximo» tempo possível e estando «menos tempo à mesa» do que é habitual nas festividades. 

A nova normalidade, como é denominada recorrentemente, não surtirá alterações somente naquilo que diz respeito ao tempo de qualidade de que as famílias desfrutam nesta época, mas também nos gastos que farão. O peru, o borrego e o bacalhau não deixaram de ser considerados os reis do Natal; porém, o frango também ganha o seu lugar de destaque. As quantidades consumidas geram discórdia: uns comerciantes dizem que as mesmas diferem daquelas que foram registadas no ano passado, enquanto outros declaram que não percecionaram qualquer quebra nas vendas.

O panorama dos hipermercados 

Quem confirma esta teoria é uma funcionária de uma loja Pingo Doce do concelho de Oeiras, que preferiu não se identificar por motivos de sigilo profissional. Trabalhando no supermercado há mais de 30 anos, Mariana (nome fictício), atualmente desempenhando tarefas na caixa do mesmo, explicou que «este ano tem sido muito mais fraco».

«Realmente, posso dizer que têm passado muitos produtos por mim, mas em relação aos outros anos é completamente diferente», avançou, acrescentando que os clientes «tentam poupar, compram mais borrego do que cabrito e lá vão apostando no peru e no bacalhau». A lojista de 58 anos não nota que os portugueses comprem mais frango – «aliás, até nem tem tido muita saída» –, mas as carnes que eram vistas como de eleição «são adquiridas aos bocados». Apesar de «existir quem compre perus inteiros, tendo posses para isso, a tendência geral é a quebra grande nas quantidades de todos os produtos desta época, porque as pessoas se contêm mais devido aos efeitos económicos da pandemia». 

Em dezembro de 2018, a revista Visão divulgou que Portugal comprava a outros países 80 milhões de euros em diferentes produtos de carne de peru e outros 80 milhões em frango. Quando confrontada com estes valores, Sandra (nome fictício), funcionária de um estabelecimento, em Sintra, pertencente a uma conhecida cadeia de talhos, assumiu que «terão de ser bem menores este ano porque os clientes compram o mesmo tipo de produtos, mas não o fazem em tanta quantidade». De qualquer modo, admitiu que ainda não lhe é possível apurar a quebra exata no lucro «porque as pessoas estão a deixar as compras para a última hora».

Por outro lado, Luís Fernandes, dos Talhos Luís & Edgar, no Areeiro e na Graça, adiantou que os consumidores «têm comprado o normal dos outros anos». O gerente não sentiu a redução na procura, mas garantiu que os clientes «compram peças mais pequenas de outras carnes». 
Parecem existir algumas assimetrias regionais no que concerne à corrida ao comércio tradicional nas duas metrópoles do país. Um responsável do Talho do Cativo, no Porto, afirmou que «as pessoas têm feito encomendas, praticamente não sobra nada», e o proprietário dos Talhos Pacheco, sediados na mesma cidade, respondeu apressadamente «estamos com muito trabalho» quando questionado acerca do balanço que tem feito das vendas nos dias que antecedem o Natal.

Aliás, o gerente do Talho Teixeira da Silva & Silva, perto do campus Norte da Universidade Lusíada, admitiu que o negócio tem corrido «de forma mais ou menos igual», pois «existem clientes certos que aparecem e há quem venha por atraso» e «quem levava meio borrego, imaginemos, agora até compra um porque fica em casa, não vai a lado nenhum, e come mais».

Que lugar para o bacalhau? 

Há dois anos, Portugal importava quase 500 milhões de euros em bacalhau. Rui Alfaiate, responsável pela peixaria O Pescador, em Oeiras, esclareceu que vende bacalhau congelado e tem verificado «uma ligeira subida» na compra do mesmo. A seu ver, tal acontece porque «as pessoas não vão tanto aos hipermercados e optam pelas lojinhas de bairro, porque têm medo de sair e dos ajuntamentos», adicionando que «a maior parte da clientela telefona, faz a encomenda», dirige-se à loja para levantá-la, paga e «vai logo embora». Na Mercearia Caetobriga, em Setúbal, «vende-se menos bacalhau este ano porque as pessoas vão comprando mas não como antes». Ainda não há «dados expressivos», mas «não se pode estar em família como outrora e as quantidades de comida são, obviamente, reduzidas».