Que a covid vá para o inferno

Fiz agora um teste de covid para estar sossegada em relação a mim e aos outros. Vou passar o Natal com os meus filhos e netos, somos sete. E apesar de concordar com as medidas que foram impostas, tenho pena que tenha de ser assim.

Tenho aflições em relação ao que se passa no país e vivo preocupadíssima com os meus colegas porque sei que muitos estão a passar mal, porque perderam os seus espetáculos. Mas essa minha fase já passou. Vivo com o dinheiro que tenho da minha reforma, a casa é minha, não tenho dívidas.

Aceito todas estas restrições porque é para o bem comum. Vou-me armar em parva? Além disso, tenho muita dificuldade em andar e em março vou pôr uma prótese no joelho. E nessa altura vou para a Casa do Artista. Vivo sozinha. Tenho uma mulher-a-dias que vem a minha casa três vezes por semana, mas é impossível passar pela recuperação assim. Ao início andava a pé à volta do quarteirão com a ajuda de uma bengala mas, a partir de certa altura, pensei ‘deixa-te de andar à volta do quarteirão’. Comecei a andar em casa e a contar os passos: faço 300 passos.

Tento muito não entrar em colapso. Que a solidão dói, evidentemente que dói. Estar em confinamento é muito difícil, é. Não posso dizer que não pensei ‘ai, vou entrar em depressão’, mas não tenho paciência, nem habilitações literárias, nem idade para ter depressões, mas esse é o meu feitio. Isso é a minha maneira de ser, sempre fui assim. Quando fiz a primeira mastectomia, oito dias depois estava a cantar. Doía-me tudo, mas estava a fazer o programa Piano Bar, tinha 50 anos, agora tenho 82. Nem o diretor de programas sabia o que tinha feito, sabia o câmara e o homem da iluminação. É claro que é duro perder um peito e eu era uma mulher muito nova. Uns anos depois tive de fazer outra, dessa vez não foi total, e nunca ninguém deu por isso. Não é que não tenha chorado, não é que não tenha tido medo, claro que sim, mas tenho de dizer que tenho sido uma mulher com muita sorte. Não tive de fazer quimioterapia, só fiz radioterapia. Sou eu que sou assim.

Preocupo-me com a pandemia, preocupo-me com a família e com os meus amigos, mas graças a Deus estão todos bem. Claro que gostava que ninguém tivesse morrido, olho o Presidente doido do Brasil e dá-me vontade de perguntar porque é que ele não tem covid. Lamento que isto tenha aparecido, estou doida para que isto desapareça e que as vacinas resultem. As pessoas podem ter o vírus, mas não morrerem. Tenho tido sorte, sim. Mas praticamente não saio. Vou a um restaurante com os meus amigos, mas desde que apareceu a covid nunca mais fui ao Bairro Alto por medo. Vamos ao restaurante O Seabra, que tem uma coisa boa que é ter duas salas, em que uma delas tem no máximo cinco a seis pessoas. Senão, dou em maluca. Percebo que as pessoas tenham medo de ir a restaurantes, aos hotéis, mas também não têm dinheiro. Todas as pessoas ligadas aos espetáculos estão a passar agruras. E as pessoas do circo? E os feirantes? Não podemos olhar só para nós. Há quem esteja muito pior. Claro que sei que há artistas que estão a passar mal. Há alguns que, infelizmente, estão a passar fome. E muitos têm vergonha, é a tal fome escondida. Mas isso não acontece só com os artistas. Há muitas pessoas que viviam com uma certa tranquilidade e porque ou perderam os empregos ou por causa da pandemia estão a passar por muitas dificuldades.

Temos de ir às lojas, temos de ir às compras. Nos primeiros meses tive a sorte de o meu filho fazer as compras e trazer-mas a casa. Agora recorro ao Moço dos Recados, telefono, digo o que quero e eles trazem-me. Só saio de casa para ir ao restaurante e para ir ao cabeleireiro. Deixar de ir ao cabeleireiro, isso é que jamais na vida. Nunca entrei em pavor porque acho que cumpri tudo. Desinfeto tudo. Tenho levado isto muito a sério. E se for preciso levar a vacina, levo.

Como ocupo o tempo? Vou lendo, sou também uma assistente de televisão maravilhosa e quando não sei o que quero ver ou não me agrada há um canal onde estou de certeza: o Fox Crime, tem séries maravilhosas.

Fiz agora um teste de covid para estar sossegada em relação a mim e aos outros. Vou passar o Natal com os meus filhos e netos, somos sete. E apesar de concordar com as medidas que foram impostas, tenho pena que tenha de ser assim. Há muitas famílias que estão habituadas a estarem todas juntas e este ano não podem estar. Mas temos de nos ajudar uns aos outros. Espero que este 2020 acabe e que a covid vá para o inferno.