No tempo de Barnabé Ferreyra os jogadores não usavam números nas costas e, no entanto, ele era inconfundível. Dele, diziam respeitosamente: «Não é um homem. É uma fera!». O nome ficou: La Fiera. Carlos Gardel, o milongueiro de Mi Buenos Aires Querido quis conhecê-lo. No momento em que se encontraram, Gardel tirou o chapéu, reverente: «Então és tu, La Fiera…». Ao que Barnabé respondeu: «La Fiera eres usted cuando canta».
Tudo isto se passava num mundo distante, de cavalheiros e brutos, perdido por entre as brumas da memória. José Manuel Moreno Fernández, seu companheiro de equipa no River Plate, ficava do lado dos cavalheiros. E dizia a quem queria ouvi-lo: «Se Barnabé te apertar a mão podes ficar certo que terás a partir daí um amigo para sempre».
Barnabé Ferreyra nasceu no dia 12 de fevereiro de 1909. Era o mais novo de uma fileira de seis irmãos. Tinha o mesmo nome do pai, mas mal chegou a conhecê-lo: morreu quando o garoto tinha dois anos de idade. Ficou a cargo do seu irmão mais velho, Paulino, um tipo teimoso como um muar que decidiu que o caçula tinha tudo para ser um bom jogador de futebol. Obrigava-o a chutar bolas contra uma parede, cada vez com mais força, até Barnabé ficar exausto. La Fiera começava a vir ao mundo.
«Hoy que dios me deja de soñar/A mi olvido iré por santa fe/Sé que en nuestra esquina vos ya estás/Toda de tristeza, hasta los pies», cantava Amelita Baltar a música de Piazzolla. Santa Fe era a terra de Barnabé Ferreyra. Mais propriamente Rufino. Por isso também chamado de El Mortero de Rufino. Paulino insistiu sempre para que o irmão aproveitasse qualquer oportunidade que lhe surgisse. Aos 14 anos jogava num clube local, o Jorge Newberry. Aos 18 partiu para a aventura de Buenos Aires e tento a sua sorte num clube de Junín, dos arrabaldes da capital, o Buenos Aires & Pacific Railway.
No Newberry, Barnabé fez furor com os seus pontapés violentíssimos a despeito de ter pernas finas como um flamingo. Marcava golos atrás de golos e, nas bancadas, havia quem lhe atirasse chapéus para o campo, comemorando as suas faenas. Em Buenos Aires, depois de deixar os ferroviários, tentou a sorte no Talleres que, pura e simplesmente, desprezou a sua figura magricelas. Jogaria no Tigre a partir de 1929. Era um marrom, nome que se dava aos jogadores pseudo-amadores que, tendo um emprego oficial, recebiam bónus por parte dos clubes. Como pintor de casas ganhava 7 pesos mensais; com os golos que marcava pelo Tigre recebia 200.
No dia 13 de março de 1932, La Fiera entrou em campo com a camisola branca de risca diagonal do River Plate. Barnabé Ferreyra chegara ao mundo do grande futebol. A estreia deu-se frente ao Chacarita Juniors, o River ganhou por 3-1 e Ferreyra marcou dois golos. Uns meses antes tornara-se internacional pela Argentina. Os sete anos que se seguiram foram dignos de uma explosão de estrelas e de cometas. Barnabé e o seu pontapé furioso levavam os hinchas ao êxtase. E os números não desmentiam a categoria do rapaz de_Santa Fe: em 185 jogos pelo River Plate marcou 187 golos e foi campeão argentino em 1932, 1936 e 1937. O jornal Crítica decidiu atribuir um prémio ao primeiro guarda-redes que defrontasse Barnabé e saísse do campo sem sofrer um golo dele. E então, o keeper Cándido de Nicola, do Huracán, ficou para a história do futebol argentino.
Com o passar do tempo, Barnabé Ferreyra começou a ganhar em seu redor uma aura que ultrapassou a sua já de si tão enorme fama. Entre exageros e invenções, entrou na lenda. Não que não o merecesse, era o que faltava. Muitos outros sem um terço da sua categoria viram as suas vidas transpostas para a literatura e para o cinema. Barnabé Ferreyra também teve direito a surgir na tela. Num filme que não teve um título muito simpático para ele – La Importancia de ser Ladron.
As lendas costumam escolher tempo e horas. E desfazê-los por via da comparação com a aborrecida realidade. Em 1931, contra o San Lorenzo, o Tigre ganhou por 3-2, depois de ter estado a perder por 0-2, com três golos de Barnabé em sete minutos, 29, 33 e 36 da segunda parte. Ele diria no fim do jogo: «As pessoas ficaram loucas quando marquei o golo do empate, mas quando marquei o terceiro golo foi tal a excitação que me caíram lágrimas de alegria». o jornal El Gráfico registou 10 mil espetadores, mas tantos foram aqueles que juraram a pés juntos terem assistido à proeza de Barnabé que o número se aproximou dos dois milhões.
Barnabé Ferreyra era um moço bem disposto e brincalhão que não se levava demasiado a sério. Anotava num caderno o nome dos adeptos que o abordavam na rua. O caderno ganhou a grossura de uma lista telefónica. Falavam-lhe o hat-trick ao San Lorenzo e ele comentava: «Dizem que marquei os golos em 5,4 ou 3 minutos e eu já cheguei à conclusão que os marquei todos no mesmo pontapé». E ria-se, como era seu hábito.