“Os heróis não morrem”

TCor. CMD Marcelino da Mata 1940-2021

por Frederico Duque dos Santos

Portugal enterrou hoje um dos seus heróis. Morreu dia 11 de fevereiro de 2021, o militar mais condecorado da História do Exército Português. 2412 operações, 5 Cruzes de Guerra, cavaleiro da Ordem Militar de Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito. Números estes que traçam o perfil de um homem que integrou e foi fundador da tropa de operações especiais Comandos Africanos, na antiga Guiné portuguesa. Marcelino da Mata representa o expoente máximo do espírito de abnegação, de camaradagem e de verdadeiro sacrifício, nunca deixando um homem para trás, praticando atos de bravura e heroísmo durante a Guerra do Ultramar.

Começou como soldado e foi promovido por distinção até alcançar o posto de Tenente- Coronel. Marcelino da Mata nasceu no sertão guineense, afinal filho de gente pobre, subiu a pulso, com um coração pejado da razão Lusitana. Filho do império que Camões escreveu, é um dos bravos da ocidental praia Lusitana e ficará cravado numa memória de quase 900 anos de História. Assim, tudo o que possamos escrever não suporta o peso e a importância de Marcelino da Mata na nossa História recente, primeiro como militar, depois como líder, mas sobretudo como um exemplo que qualquer um de nós, cidadãos portugueses, militares ou civis, devíamos olhar e seguir.

A parca cerimónia fúnebre, sem honras de Estado, sem salvas, é também a imagem de Marcelino da Mata. Como me disseram há dias, os militares mais notáveis ficam para a História não só pelos seus feitos, mas também pela sua humildade. Marcelino da Mata recusava homenagens, por um Estado que lhe virou as costas durante anos. Mas nunca deixou de amar a pátria. Afinal, ele representa também um povo que combateu entre 1961-1974 por uma causa chamada Portugal. Hoje carregamos essa dívida histórica perante os combatentes do Ultramar, sobretudo com os que foram esquecidos nas antigas colónias e outros tantos que foram abandonados pela nossa curta e cruel memória.

Como nos recordaram durante a cerimónia fúnebre, o Cor. Henriques e Cor. Roberto Durão, já perto dos 90 anos, “Os heróis não morrem”. Estes soldados de Portugal mostram-nos que já nos restam poucos homens desta fibra, nesta época confusa que atravessamos. A nossa geração não sabe lidar com o passado, olvidando a nossa memória coletiva e abandonando o sentido de gratidão.

O país afinal nunca soube reconhecer os seus heróis em vida. Como escreveu o Padre António Vieira, “se servistes à pátria, que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis, ela o que costuma”. Agora, Marcelino da Mata entrou na Glória eterna, envolto pela bandeira que honrou, como poucos o souberam fazer.

Se hoje passamos um tempo de torcer os corações pela perda, de evolver nos braços os seus familiares e amigos, depois virá um tempo de secar lágrimas, sem que a saudade nos deixe, mas nessa certeza será tempo de assumir o seu lugar no Panteão Nacional. Como disse Eduardo Lourenço, «uma Pátria não deve nada a ninguém em particular. Ela deve tudo a todos». Mas nós, portugueses de aquém e de além-mar, muito lhe devemos e lhe ficamos a dever.