A revolução não poupou Miguel Durán

Pololo como capitão do Atlético de Madrid cumprimentando o capitão do Real, Santiago Bernabéu. Gente distinta.

Miguel Durán Walkinshaw era o diretor da Fábrica de Explosivos de_Coruño y_Santa Bárbara. Só tinha um filho homem e tinha um orgulho infinito no seu varão. Miguel Durán Terry nasceu em Lugones, nas Astúrias, no dia 5 de Agosto de 1901. Viveria pouco mais de 33 anos, mas a idade da morte não se estabelece à nascença. Nem as causas. Nem sequer algo bem mais corriqueiro, como as alcunhas. E a alcunha de Miguel Durán filho era Pololo. Enamorado? Pode funcionar como tradução. No futebol era defesa e jogou por duas vezes com a camisola da Espanha. As duas contra Portugal, em Madrid (1921) e em Sevilha (1923).

Miguel Durán pai tinha nome inglês mas não tinha grande vontade que o filho passasse muito tempo a brincar com uma bola. Preferia que gastasse as horas a preparar-se para o substituir no cargo que ocupava. Por isso, quando fez dez anos, Pololo seguiu viagem para Madrid onde tinha à espera um futuro como engenheiro de minas. Vendo bem, não chegou sequer a ter futuro, mas isso nem Durán pai nem Durán filho podiam adivinhar. O que Pololo podia afirmar concretamente é que, contra a vontade do pai ou não, iria ser jogador de futebol enquanto estudava engenharia. Dividia os seus dias entre a_Escuela Superior de Ingeniaria e o Athletic Club de Madrid, uma filial do Athletic Bilbao que se independentizaria com o nome bem mais castelhano de Atlético de Madrid. Durante oito anos vestiu a camisola de riscas vermelhas e brancas que faziam lembrar os velhos colchões de palha e que, por isso, deram aos jogadores e adeptos do clube o apodo de colchoneros.

Pololo era um tipo esperto. E dedicado. Cumpriu a promessa que fizera ao pai Durán e concluiu os estudos. Com o canudo de engenheiro regressou à Astúrias e entrou para a empresa da família. O futebol estava-lhe tão entranhado no sangue que não conseguiu dizer adeus ao Atlético. Na véspera dos jogos, montava na sua motocicleta e percorria quilómetros e quilómetros para ir ao encontro dos seus companheiros, jogassem eles onde jogassem. Era, de certa forma, um religioso. Cumpria a promessa feita a si próprio e ao Atlético.

Em outubro de 1934, Lugones estava no centro de uma rebelião. Um grupo de insurrectos levantou-se numa greve geral revolucionária, movimento que fazia parte do anarquismo espanhol e tinha como objetivo espalhar-se por todo o país sob o nome de Revolução de Outubro. O resto de Espanha não escutou o chamado dos anarquistas. A revolução não saiu das Astúrias e, como tal, a História registá-la-ia como Revolução das Astúrias. A Comuna Asturiana lutava pela implantação de um regime socialista e houve vários lugares onde a autodenominada República Socialista chegou a hastear a sua bandeira, como Mieres e Sama de Langreo.

A resposta do governo radical-cedista, que aglomerava as Direitas Autónomas, chefiado por Alejandro Lerroux, não se fez esperar. E foi bruta. Os espanhóis, do País Basco à Catalunha, da Galiza às Astúrias, não são povos a quem o sangue afete a sensibilidade por aí além. Foi à custa de rios de sangue que construíram o império. Foi à custa de sangue que a República Socialista das Astúrias se afogou. O general Francisco Franco nem se dignou a deixar o seu posto em Madrid. De ali mesmo orientou a movimentação do exército, recorrendo a um grande número de soldados marroquinos, os regulares do Ejército de África, bem como a membros de La Legión que tinham estado estacionados no que se chamava, ao tempo, o Marrocos Espanhol. As forças eram desiguais. Os anarquistas acabaram por ceder. Mas ainda hoje a Revolución de Asturias é vista como a Comuna de Paris ou o Soviete de Petrogrado, a última revolução social, ainda que fracassada, do continente europeu.

A Fábrica de Explosivos de Coruño y Santa Bárbara tornou-se num alvo óbvio para os revolucionários. Logo nos primeiros dias da insurreição uns poucos de Guardias Civiles e uma dúzia de operários fiéis ao patronato foram dominados por completo na defesa das instalações. Pololo fugiu. Conseguiu apoderar-se de uma camioneta, pegar na mulher e na filha, e tomar o caminho de Oviedo onde o ambiente estava controlado. Pelo caminho foram barrados por um pelotão de amotinados. Miguel Durán Terry não parou. Forçou a passagem por entre os revoltosos que responderam a tiro. Uma das balas acertou-lhe em cheio no peito, na zona do coração. Pololo ainda estava vivo quando o arrastaram para o quartel da Guardia Civil. Mas por pouco tempo. O tiro fora fulminante e esvaiu-se em sangue numa hora. Ao contrário dos heróis, ele que só queria salvar a vida, não proferiu uma última palavra. Os espanhóis têm um gosto especial pelo sangue. Dois anos mais tarde matavam-se uns aos outros numa das guerras civis mais selvagens de sempre…

afonso.melo@newsplex.pt