Os partidos organizam-se em estruturas nacionais, distritais e concelhias, independentemente do nome técnico que se lhes dê. Os maiores partidos nacionais são o PS e o PSD, os quais são, sem surpresa, os maiores partidos autárquicos, com implantação até no mais pequeno concelho de Portugal. Seguem-se-lhe o PCP e o CDS. O Bloco não tem grande expressão autárquica, o Chega e a IL ainda não jogaram nesse campeonato e vão ser uma estreia em 2021.
Ao contrário das eleições legislativas que elegem 230 pessoas para a AR, as eleições autárquicas elegem 308 presidentes de município, mais 3000 presidentes de junta de freguesia e dezenas de milhar de membros das assembleias de freguesia.
É no terreno autárquico que se vê do que é feita a massa humana e crítica de um partido. As organizações concelhias acham que têm o monopólio da escolha dos candidatos do seu concelho e reivindicam os estatutos partidários para o fazer. As direções nacionais acham que têm uma palavra a dizer sobre o assunto, até porque estão a olhar para todo nacional.
É na articulação entre estruturas locais, distritais e nacionais que se jogam as eleições autárquicas.
Apesar da pandemia, o país político já mexe com as candidaturas autárquicas: ecos públicos são poucos, até por algum pudor e respeito pela situação dramática que se vive.
Conhecendo bem a situação no terreno, sei que os nossos partidos começaram por ser uma agremiação de gente notável e influente em cada lugar (médicos, professores, advogados, bancários, técnicos, empresários) assegurando que a sociedade civil era o partido e o partido era a sociedade civil, para passarem a ser uma organização de profissionais políticos que vivem do partido e para o partido.
Se isto fosse uma história, contava-se assim: estas organizações ou concelhias passaram a ser fortalezas intransponíveis, rodeadas por um fosso com crocodilos. Os profissionais que tomam o castelo, içam a ponte levadiça, fecham-se lá dentro e não deixam mais ninguém entrar. A sociedade civil ficou de fora, não é bem-vinda e não entra.
Isolados no castelo, os profissionais deliberam quem será o seu candidato autárquico: será um deles, naturalmente, até por razões de ‘confiança política’ e ‘lealdade’. A competência, influência, caracter, reputação, carisma não são tidos em conta.
Como tomada e manutenção do poder, parece uma estratégia brilhante, mas sucede que vivemos em democracia e as pessoas olham, veem um castelo, veem os crocodilos e fogem.
É por causa deste triste estado de coisas que os movimentos de cidadãos independentes têm conquistado Câmaras, umas vezes sendo verdadeiros independentes, outras por cisões partidárias.
Fossos, crocodilos e lealdade é coisa própria de senhores feudais da Idade média, não é próprio de uma democracia de homens livres e iguais. Precisamos dos melhores 308 mulheres e homens, não precisamos de 308 decisões tomadas por um minúsculo grupo de pessoas sitiadas obcecadas em defender o castelo.