30 de março de 1941. Ao mesmo tempo que o Benfica perdia no Porto por 2-5, o Sporting passeava-se ufanamente no Estádio do Lumiar, arrasando o Boavista por 9-0. Os leões entraram em campo com Azevedo, Rui e Cardoso, Paciência, Gregório e Marques, Mourão, Ferreira, Peyroteo, Soeiro e Cruz, saindo perante a ovação emocionada de um público que via a sua equipa ser campeã pela primeira vez na história. Desde que se iniciara a I Liga, no estilo inglês de poule, ou seja, todos contra todos, em jogos casa e fora, na época de 1934-35, os leões tinha-se limitado a ser espetadores das alegrias alheias – 1934-35, campeão FC Porto; 1935-36, campeão Benfica; 1936-37, campeão Benfica; 1937-38, campeão Benfica; 1938-39, campeão FC Porto; 1930-40, campeão FC Porto. Convenhamos: era de perder a pachorra. Mas, cumprem-se agora 80 anos sobre o primeiro título da história leonina, ainda por cima num altura em que já são muito poucos os que duvidam que o Sporting voltará a ser campeão tal a vantagem agregada até ao momento sobre o segundo classificado, o FCPorto -10 pontos, logo hoje que ambos se enfrentam no velho bairro das Antas.
Frente ao Boavista, nesse tal 30 de maio, foi, como diz o povo, de Santiago de Riba Ul a Sobral de Monte Agraço, cada tiro cada melro. Só à sua conta, Fernando Peyroteo, o Gigante de Humpata, assinou cinco golos, deixando os restantes para Manuel Soeiro (2), Armando Ferreira e Gregório Santos. O treinador era Joseph Szabo, um húngaro que surgiu em Portugal fugido às agruras da II Grande Guerra, ainda como jogador, e se transformou num dos principais técnicos de uma época revolucionária do futebol em Portugal, isto é, o advento do profissionalismo. Szabo já tinha sido campeão ao comando do FC Porto e, nesse ano, construiu um ataque demolidor que conduziu igualmente o Sporting à vitória na Taça de Portugal.
O campeonato contava apenas com oito equipas: os melhores dos quatro campeonatos regionais mais competitivos, Lisboa (4), Porto (2), Coimbra e Setúbal. O Sporting garantiu o primeiro posto com 23 pontos saídos de 11 vitórias, um empate e duas derrotas, três ponto de avanço sobre o segundo, o FC Porto, e quatro sobre o terceiro, o Belenenses. Curiosamente, as duas derrotas foram até bastante dolorosas: 1-2 em casa, frente ao Benfica e 1-5 nas Salésias, face ao Belenenses. Mas os campeonatos são mesmo assim, provas de regularidade que admitem uma escorregadela aqui e ali.
Claramente melhores
Basta passar os olhos pelos os restantes resultados do Sporting nesse campeonato para não restarem dúvidas de que os leões foram claramente melhores do que todos os seus adversários. Em casa, só o percalço com o Benfica, estragou uma correnteza de excelentes exibições: FC Porto (5-1), Belenenses (3-1), Académica (7-1), Barreirense (2-0), Unidos de Lisboa (4-2) e Boavista (9-0). Fora, tirando a derrota dasSalésias e um empate no Porto, no Estádio do Lima, face ao FC Porto (2-2), outra série de vitórias consistente: Benfica (4-2), Académica de Coimbra (5-3), Barreirense (3-0), Unidos de Lisboa (7-3) e Boavista (5-1).
Portanto, na penúltima jornada, somando 21 pontos contra os 17 do FC Porto, a festa pôde sair à rua. Tavares da Silva, um dos grandes mestres do jornalismo, criador da célebre expressão dos Cinco Violinos aplicada à linha avançada do Sporting que ainda estava por nascer, analisava o novo campeão nacional no seu estilo direto: «Em catorze desafios, o Sporting foi realmente o melhor e mais regular. ‘Time’ robusto, aceitável na defesa, fraco na linha média mas excelente na célula da frente, a circunstância de possuir alguns suplentes de mérito, quase iguais aos efetivos, permitiu-lhe atravessar a prova sem grandes prejuízos no arranjo a apresentar em campo. Ficou provado, mais uma vez, que uma prova como esta não pode ser disputada apenas por 11 jogadores de cada equipa. O material da reserva desempenha função de grande valor. Em mais de três meses – não pode deixar de ser – há doenças, acidentes, punições. E os jogadores devem ter a preparação suficiente para esforços tão prolongados. Aquilo que pode chamar-se o ‘fundo’ da equipa». E concluía de forma literal: «Quanto ao vencedor, porém, tudo deve estar de acordo. Que maior elogio pode ambicionar aquele que triunfou?».
Com o fim do campeonato em março, sobrava depois tempo para fechar a época com a disputa da Taça de Portugal que se desenrolava de enfiada, sem intervalos. Também nessa prova, o Sporting demonstrou ser a melhor equipa do país. Os resultados estão aí para o confirmarem: Seixal (3-1 e 4-1), V. Guimarães (12-0 e 4-2), Unidos de Lisboa (8-1 e 3-1). A final, no Stadium do Lumiar, foi frente ao Belenenses – 4-1, três golos de João Cruz e um de Peyroteo contra um de Gilberto Vicente. Ficou como uma espécie de vingança pela surpreendente goleada das Salésias.