Olivença cada vez mais portuguesa

Os movimentos que reclamavam Olivença para Portugal mudaram de estratégia usando livros: 1.300 oliventinos requereram a nacionalidade portuguesa. Muitos já votaram nas últimas eleições portuguesas. E a língua voltou a ser ensinada às crianças nas escolas da cidade. 

Passaram-se 220 anos, mas na raia da Estremadura espanhola um coração português continua a bater. Olivenza, perdão, Olivença, assim mesmo, como muitos ainda a chamam e escrevem – tal como os seus pais e avós sempre a chamaram (mesmo muitos não a sabendo escrever) – resiste à voragem dos séculos, apegada a uma ponte medieval engolida pelas águas do Guadiana, que já só existe nas memórias que as páginas dos livros encerram. 

A travessia para Olivença, a terra que Portugal reclama como sua, mas que Espanha administra desde 1801, é hoje feita sobre o asfalto, mas também pela língua, pelo canto e pela dança. É feita pela toponímia em português espalhada pelas ruas e praças. Pelo chão desenhado em calçada portuguesa. Pela torre de menagem de D. João II de Portugal que mesmo ao longe nos anuncia a cidade. Pelos monumentos em estilo Manuelino, como a igreja de Santa Maria Madalena, que nos sussurra a cada canto na língua de Camões histórias de heróis e feitos de além mar. E é, agora, também feita pelos 1.300 oliventinos que, desde 2012, requereram a nacionalidade portuguesa, mais de 10% de uma população que não chega às 13 mil pessoas, distribuída pelos municípios de Olivença e Táliga – outros oliventinos continuam, aliás, a aguardar por uma resposta do Estado português para concluírem os respetivos processos. 

As estimativas mais otimistas apontam para que, nos próximos anos, oito mil oliventinos possam vir a tornar-se legalmente portugueses, fundindo finalmente o corpo com a alma. E, desta vez, não só vai valer aos olhos de Portugal, como também vai ter de valer aos de Espanha.

A aculturação de Franco ‘varre’ o português. O oliventino Ventura Ledesma Abrantes sabia ao que vinha o general Francisco Franco, face à questão específica de Olivença – tal como perante as restantes questões específicas que Espanha engloba –, no caso de levar a melhor na guerra civil espanhola (1936-1939). E quando, em 1938, a balança começou a pender decisivamente para o lado dos nacionalistas, decidiu-se pela fundação, a partir de Lisboa (onde se havia exilado), do Grupo ‘Amigos de Olivença’, criado à época com o nome de Sociedade Pró-Olivença.

Embora administrada por Espanha, entre 1801 e 1939, nada tinha mudado em Olivença. Neste período, era em português que se vivia, que se falava, se cantava e se dançava. Era em português que se amava e se zangava. Naquele pedaço de terra, entre duas pátrias, ou melhor, ‘esquecido’ por elas, às gentes só interessava viver como os seus antepassados sempre ali tinham vivido, pouco ou nada significando aquilo que diziam os ininteligíveis discursos e decretos saídos das cabeças e gargantas dos políticos de Lisboa e Madrid.
Mas com Franco no poder tudo se alterou. E, a partir daí, pelas quatro décadas seguintes, desenvolveu-se um processo de aculturação que procurou varrer do mapa, não só fronteiras, mas também qualquer sinal de um passado português em Olivença. Os oliventinos, que, até àquele momento, só sabiam ser portugueses, foram forçados a aceitar uma nova realidade da noite para o dia.

Mudaram-se os apelidos das famílias; e os nomes das ruas e das praças. À região, chegaram aos magotes autoridades pró-regime vindas de toda a Espanha, governantes, professores, polícias, proprietários rurais, famílias inteiras capazes de ensinar e de dar bons exemplos e… melhores empregos a quem se dispusesse a aprender. Pois, entre ser Lopes ou López, o povo acabava sempre por escolher ter pão à mesa. 

Assim, o português passou formalmente a representar o passado, enquanto o castelhano o presente e o futuro. Esta intensa estratégia de ‘espanholização’ teve naturalmente os seus efeitos. Com o passar dos anos, a ação do grupo fundado por Ventura Ledesma Abrantes viria a revelar-se estéril. E, mais tarde, não apenas ignorado pelas autoridades portuguesas e espanholas – pouco interessadas em tensões diplomáticas entre ditadores –, mas mesmo desacreditado ou até ridicularizado dos dois lados da fronteira.

Em Olivença, Portugal passou a viver apenas dentro das casas e dos corações das famílias com memória. E em segredo.

Escola e nacionalidade: o português regressa. «Bom dia! Tudo Bem? Fizeram boa viagem?». José António Carrillo irrompe em passo acelerado e mão direita a acenar pela praça do Jardim do Avó e do Neto, no centro da cidade. A sua vivacidade contrasta com a tranquilidade geral, acentuada pela pandemia. Nota-se um sotaque, é certo, mas este oliventino, de 46 anos, fala-nos sempre (e orgulhosamente) em português – talvez não o mesmo que se fale em Lisboa, talvez não o mesmo que se fale no Porto, mas o que se fala desde sempre em Olivença e no Alentejano próximo, e se fixou através das gerações naquela faixa transfronteiriça que segue para sul o curso do Guadiana até Vila Real de Santo António e Ayamonte. Chamam-no também de português oliventino, mas, na realidade, trata-se simplesmente de uma única e a mesma língua: um português com sotaque regional e local.

José António é um oliventino que nasceu numa família com memória. «Sempre assim foi. Em minha casa, na infância, falava-se português. Português oliventino. Os meus avós e os meus pais sempre o falaram. E eu aprendi com eles e falo sempre português quando posso», explica-nos o profissional da aérea da publicidade.
À medida que foi crescendo, ouvindo, lendo, conhecendo-se a si e aos outros, foi-se apercebendo que, afinal, havia uma razão mais profunda para se sentir em casa quando cruzava a ponte para o lado português, já depois de passar a placa colocada pelo Estado espanhol que anuncia existir ali uma fronteira (Portugal, por seu lado, não tem nada, pois não a reconhece). 

O entusiasmo por Portugal foi aumentando com os anos e, mais tarde, José António foi-se apercebendo que outros como ele partilhavam daqueles sentimentos. Tornou-se assim um dos fundadores e membros da associação Além Guadiana, criada na primavera de 2008 (e entretanto extinta em 2019), um grupo de cerca de três dezenas de jovens oliventinos, na casa dos trinta e quarenta, que, a partir de Olivença, começou a consciencializar as autoridades e a população locais para a sua própria história, procurando, acima de tudo, recuperar a língua e as tradições portuguesas – reconstruindo desta forma uma nova ponte. 

Graças a este movimento, deram-se passos velozes e firmes, talvez mesmo a resposta real mais significativa à anexação espanhola do início do século XIX: o ensino do português foi introduzido no currículo escolar das escolas de Olivença. E, em 2012, começou a concretizar-se o plano mais audaz e ambicioso, com a requisição em massa da nacionalidade portuguesa por parte de oliventinos, um direito previsto na lei portuguesa para todos os nascidos no antigo município de Olivença, definido em 1297, no Tratado de Alcanizes, pelo Rei D. Dinis, um pedaço de território com 750 quilómetros quadrados e sete localidades: S. Francisco, S. Rafael, Vila Real, S. Domingos de Gusmão, S. Bento da Contenda, S. Jorge de Alor e Táliga (esta última um município autónomo de Olivença desde 1850). José António passou a ser um dos 1.300 oliventinos que, hoje, são legalmente cidadãos portugueses. Ele, e também as suas duas filhas de 14 e 11 anos. 

Oliventinos votam em Portugal pela primeira vez em 2019. Em 2019, outro marco: cerca de 500 portugueses oliventinos puderam votar, pela primeira vez, numas eleições portugueses (as legislativas). José António foi um dos que votou, com um misto de orgulho, emoção e… naturalidade. «Afinal, votei no Governo de um país que também é o meu, não é?», questiona. Em Espanha, o momento chegou a ser notícia. Na Rayanos Magazine, publicada na vizinha Badajoz, escreveu-se, na altura, sobre um ato «histórico» e «insólito». Outros media deram a informação, sempre em tom de curiosidade.

Mas, afinal, qual é o objetivo deste grupo, que agora nem sequer é grupo, mas que, individualmente, incansavelmente, continua pela cidade a distribuir livros, a contar histórias do passado, a defender a língua portuguesa e as suas tradições junto das autoridades e das pessoas – e em casa, no trabalho ou simplesmente na mesa dos cafés? José António explica, desde logo, que «a questão não é política ou territorial». «A chave são a história e a cultura. Hoje, já não faz sentido falarmos de uma Olivença espanhola ou portuguesa. O que importa, realmente, é que Olivença é, de facto, espanhola e portuguesa, e que seja reconhecida como um lar especial pelos dois países. É assim que se deve olhar o futuro, evitando polémicas que não levam a lado nenhum», diz.

 ‘E o José António? É português ou espanhol? Afinal, de qual dos dois países se sente mais próximo?’ «Sou como Olivença. Sou português, é claro. Mas agora também sou espanhol. E nós tentamos apenas preservar isso. Agora, de qual gosto mais não posso responder… É como perguntar-me se gosto mais do meu pai ou da minha mãe. Português ou espanhol? Os dois e Olivença!», conclui. 

Estado português cria fronteiras que não reconhece. Portugal foi-se ‘esquecendo’ de Olivença, mas Olivença nunca se esqueceu de Portugal (e os 1.300 portugueses oliventinos comprovam-no). A pandemia trouxe, porém, dificuldades na gestão desta questão. E quem vive ali, tanto de um, como do outro lado do rio, não compreende como pôde o Estado português encerrar, nesta fase, a nova Ponte da Ajuda – que liga Elvas e Olivença –, quando, oficialmente, para esse mesmo Estado português, não se reconhece a existência de qualquer fronteira naquele local. 

O ato até pode parecer insignificante, mas, na prática, esta foi a primeira vez desde 1815, ano em que o Congresso de Viena se ‘decidiu’ por dar razão aos argumentos de Portugal e atribuir-lhe o direito de posse sobre Olivença – tratado que Espanha aceitou dois anos depois, mas que nunca o chegou a concretizar –, que o Estado português assumiu existir uma fronteira física naquele local. A opção entristeceu muitos oliventinos.

Outra situação já tinha motivado a insatisfação destes portugueses além Guadiana, surgiu nas eleições legislativas de 2019, uma vez que os oliventinos que foram às urnas tiveram de fazê-lo através do voto por correspondência, o mesmo expediente utilizado para os portugueses emigrantes que votam no estrangeiro. Ora, neste caso, será fácil concluir que, para o Estado português, os oliventinos não estão, de facto, em nenhum lugar estrangeiro, mas em território nacional, pelo que deviam ter acesso a deslocarem-se a uma mesa de voto comum, como acontece em Lisboa ou Évora ou qualquer outra localidade portuguesa. A opção voltou a entristecer muitos oliventinos.

‘Quando se fala com o coração é o português que sai da boca'. No centro da cidade, uma pastelaria serve-nos uma ‘bica’. O seu proprietário é Felipe Fuentes Becerra, de 50 anos, oliventino, português, pai de três filhos (com 14, 13 e nove anos), quase quatro, pois mais um vem a caminho – os três mais velhos esperam ter em breve nacionalidade portuguesa (os processos já estão a correr).
Felipe Fuentes apresenta-se através de uma moldura pendurada na parede. Em lugar de destaque, os olhares são atraídos por um mapa de Portugal datado da segunda metade do século XVII, com fronteiras que normalmente não se veem noutras representações de origem espanhola. «Viu? É um mapa original. Foi o meu irmão quem mo arranjou» (o irmão é precisamente Joaquin Fuentes Becerra, antigo presidente do grupo Além Guadiana, que Felipe Fuentes também integrava).
«Lembro-me de em minha casa os meus avós e pais falarem sempre em português. Naquele tempo era assim: na sala de aula falava-se em castelhano, mas no recreio falava-se em português. Os professores ficavam espantados, de olhos abertos [ri-se]. É assim… a língua sobreviveu. E a ligação a Portugal também. Quando estamos contentes ou zangados falamos em português. Lembro-me que as últimas palavras que ouvi do meu avô, na cama, quando estava a morrer, foram em português. É mesmo assim em Olivença: quando se fala com o coração é o português que nos sai da boca».

Felipe Fuentes conta-nos que sentir-se português, ser português de corpo inteiro, como já o haviam sentido e sido os seus antepassados – alguns nem sequer chegou a conhecer –, não foi propriamente uma opção, mas algo que surgiu naturalmente, como aprender a andar ou a falar, mais profundo, nem sempre possível de definir por palavras ou gestos. «Lembro-me de estar em França e, de repente, começar a ouvir um fado. Como se diz? [e toca no braço] Pele de galinha, não é? Fiquei arrepiado… Não consigo explicar, simplesmente faz parte da minha identidade, daquilo que sou», conta. 

‘E agora? O que espera um português natural de Olivença, face ao interesse recente dos seus conterrâneos por tudo aquilo que vem do lado de lá do rio?’ «É engraçado. Hoje em dia já não faz sentido falarmos de política ou de posse do território. Não faz sentido existir essa luta entre Espanha e Portugal. Mas também acho que a vida vai adquirindo conclusões próprias. E, por vezes, é a própria vida que vai colocando as coisas no sitio certo. Para mim, é preferível não reclamar muito. As pessoas regressam sem reclamar. Eu regressei a Portugal sem reclamar. Os meus filhos regressaram a Portugal sem reclamar. E acredito que outras pessoas vão também acabar por regressar a Portugal, sem reclamações.

Basta que as pessoas deixem de ver problemas em admitirem que são diferentes, que estejam à vontade para assumirem a sua identidade: que até podem ser espanholas, mas que também são portuguesas. 

‘E graças a isso, como vai ser o futuro?’ «Vai ser com uma Olivença que conhece a sua língua, a sua história e a sua cultura. Uma Olivença de espanhóis e de portugueses. Os meus filhos, por exemplo, quando crescerem podem estudar em Madrid ou em Salamanca, mas também podem estudar em Lisboa ou em Coimbra. E não serão espanhóis que vivem em Portugal, mas portugueses como todos os outros», diz. ‘Adiós’, dizemos-lhe no final da conversa. «Não, não. Na minha família sempre se disse ‘Até amanhã, se Deus quiser’», corrige com um sorriso no rosto.

As alcunhas de Olivença como forma de resistência a Franco. Enquanto estamos em Olivença, conhecemos outra (mais uma) tradição local que se arrasta no tempo. Falamos das alcunhas, que acompanham as mesmas famílias ao longo de gerações. Ao princípio, poderíamos até encará-las como apenas mais uma piada sem razão ou significado especial. Ou até mesmo, nalguns casos, numa provocação mal intencionada com origem numa disputa mal resolvida entre vizinhos desavindos. Mas quando começamos a compreender a história desta terra e das suas gentes, temos necessariamente de colocar outra hipótese. Em Olivença, poucas coisas (ou mesmo nenhumas) existem por mero acaso. E, na verdade, quase todas existem (ou ainda estão por existir) como forma de resistência dos portugueses oliventinos perante o ‘invasor” espanhol. As alcunhas de Olivença são um exemplo disso mesmo. Provocam gargalhadas, mas o seu papel na sobrevivência da identidade local é coisa muito séria. 

Quando Francisco Franco chega ao poder, decidiu esmagar todos e quaisquer movimentos que pudessem colocar em causa a unidade nacional espanhola. Em Olivença, isso não foi exceção. A ordem era ‘apagar’ tudo o que pudesse ser confundido com o português e Portugal. A língua de Cervantes passou a ser a única oficialmente permitida. E não a falar poderia resultar em complicações com as autoridades – os mais velhos passaram um mau bocado. 
Como tal, era preciso mudar o nome das ruas e das praças. Dos monumentos. Mas também os nomes das próprias pessoas. Então, os mui portugueses Lopes passaram a ser chamados de López; os Rodrigues de Rodriguez; os Fontes de Fuentes; ou os Batistas de Bautistas. E assim se fez sucessivamente, havendo um exemplo conhecido para cada caso.

Impedidos de usar o nome de batismo, os oliventinos reagiram com argúcia. Nunca resistiram abertamente e mudaram, sem fazerem alarido, todos os apelidos. Porém, ao mesmo tempo, passaram a atribuir a cada família uma alcunha bem portuguesa. Perante um nome cómico ou ofensivo, as autoridades espanholas não viam razões de censura, mas, na realidade, era ele que mantinha viva a ligação com a identidade que lhes estava a ser negada (e sonegada).
A tradição sobrevive ainda hoje. A alcunha em Olivença passa de pai para filho: há o Careca, o Canhoto, o Galinha Choca, o Chupa ou o Gato Amarelo. A lista é longa, feita por dezenas ou centenas de nomes do género, sempre com muita criatividade e humor. É um legado daquela região. E mais um símbolo de Olivença, e da ligação daquela terra a Portugal.

Olivença passa o seu legado de geração em geração. O sol começa a baixar. E a temperatura desce. Ao final do dia, os mais velhos abandonam lentamente os bancos dos jardins espalhados pela cidade para regressarem a casa, mas José López, de 91 anos, resiste titubeante com a ajuda da sua bengala. 

‘Falará português?’, perguntamo-nos. E perguntamos-lhe. «Desculpe, tem de ir falando mais devagarinho e mais alto… Já ouço muito mal. Sabe, já tenho 91 anos?», responde-nos, assim mesmo, sem tirar nem pôr, com um sotaque que nos poderia localizar em qualquer outra terra do Alentejo, Alandroal, Borba, Campo Maior, Mourão.
«Sim, sim. Falo português. Fui sempre falando português em casa, com os meus pais. E vou continuando a falar…», diz, com um sorriso. A conversa decorre sem um fio condutor por mais alguns minutos. Fala-se da terra, das pessoas, do passado. Sempre em português, com sotaque, o que se poderia chamar de dialeto alentejano, mas que por Olivença insistem em designar de português oliventino.

José López fica mais um pouco encostado a um muro. Parece contente. E nós também, por encontrar quem fala assim português, sem precisar de aprender na escola, nos livros, tal como se falava antes da chegada da política de Franco à cidade. No final, despedimo-nos.

Do outro lado da praça, a poucos metros de distância, apercebemo-nos que, sentados noutro banco do jardim, três jovens, com oito ou nove anos, escutam a nossa conversa com atenção. Um deles, veste à Real Madrid. Ao passarmos, ficam em silêncio, a olhar. «Olá!», atira um, meio envergonhado. «Boa tarde!», diz outro. ‘Olá, boa tarde!’, respondemos-lhes, já com a certeza que alguma coisa nesta terra é diferente, e está a mudar. 

Carlos Luna: ‘persona non grata’ em Olivença. Carlos Luna, 64 anos, é professor de história do ensino secundário em Estremoz e um apaixonado pela questão de Olivença – à qual tem dedicado grande parte das suas energias.

Membro do Grupo ‘Amigos de Olivença’, lidera a Comité Olivença Portuguesa, um braço cultural autónomo daquela organização, e é formalmente persona non grata em Olivença, desde 2003, por decisão do ex-alcaide da cidade, Ramón Rocha Maqueda. O português foi acusado de ‘desrespeito à bandeira espanhola’, depois de ter envidado esforços para interromper as obras de reconstrução da antiga ponte medieval da Ajuda, originária do século XVI (e destruída desde 1709), que estava a ser realizada pelas autoridades espanholas, sem autorização do Estado português. Luna conseguiu travar a intervenção, mas o incidente valeu-lhe (e ao Grupo ‘Amigos de Olivença’) um rótulo que ainda hoje se mantém.

A sua luta, porém, não parou, muito pelo contrário. E mesmo à distância, o seu papel tem sido decisivo para a aproximação de Olivença a Portugal. As ações mais radicais ficaram de lado, e agora é através dos livros e dos CD’s, das letras e do áudio, que o movimento vai dando passos, talvez mais pequenos, mas certamente mais seguros – os pedidos de nacionalidade portuguesa passam, sobretudo, pelo conhecimento.,

O Nascer do SOL visitou o professor na sua casa, em Estremoz. Carlos Luna recebeu-nos com o seu espírito vivo, curioso, próprio daqueles que nos falam de assuntos sérios a brincar e brincam com assuntos sérios. 
Olivença é tema que nunca lhe foge. «Em termos legais, Olivença devia ser parte de Portugal», continua a afirmar, embora, neste momento, admita que «o mais importanteé mesmo continuar a consciencializar os oliventinos para as suas origens, para a sua identidade, para a sua realidade e, sobretudo, para aquilo que lhes foi feito durante o período de repressão do ditador Francisco Franco, e que os afastou verdadeiramente de Portugal, dos portugueses, da língua e das suas tradições, que se mantinham inalteradas até meados do século XX». 

Visivelmente satisfeito com o rumo que as coisas têm tomado nos últimos anos – destacando o trabalho que a associação Além Guadiana, do lado espanhol, teve neste processo –, Carlos Luna confia que, um dia, «não sei quando», será possível «despertar a maioria dos oliventinos para que possam ser parte ativa de uma solução». 

«O objetivo é, em última análise, as pessoas de Olivença sentirem-se portuguesas e regressarem por vontade própria ao seio da pátria portuguesa. Claro que, quando chegar a altura, o Estado português terá de ter um papel mais ativo do que aquilo que tem tido até este momento, e propor essa solução a Espanha». 

‘Mas não será essa pretensão demasiado romântica ou mesmo ingénua? Olivença pode ainda voltar para Portugal?’ « Não sei, talvez sim, talvez não mas a acontecer seria o final mais correto tendo em conta o que se passou em Olivença ao longo da história», conclui.