Parque dos Poetas. ‘Silêncio Insurrecto’

Um poeta, um escultor e um político uniram-se em torno de um sonho comum. Os paisagistas deram-lhe corpo e um nome – Parque dos Poetas. Nasceram poemas, jardins, lagos, muros e alamedas; as árvores cresceram e acolheram os poetas. Através dos séculos viajamos pelo sonho.

por Elsa Severino*
Arquiteta paisagista

Oeiras com personalidade. ‘Roubo’ este título a uma obra promovida em 2019 pela Fundação Marquês de Pombal, que visava dar a conhecer personalidades do concelho de Oeiras.

Não é o que agora se pretende, mas tão-somente abordar a génese de um parque urbano, no mesmo concelho, com personalidade, e a sua importância no presente e no futuro, após dezoitos anos da inauguração da primeira fase em 2003. Seguiram-se outras importantes datas, 2013 e 2015, relacionadas com a abertura da segunda e terceira fases, completando-se assim um parque com 22 hectares de área.

Antes, era um campo agrícola abandonado. Nos idos anos noventa do século passado, a autarquia classificou no seu primeiro Plano Diretor Municipal o Parque Urbano de Oeiras Norte. Estabeleceria um contínuo (continuum naturale) desde a serra de Carnaxide até Paço de Arcos, com a proteção de ribeiras e zonas sensíveis. Assim nasceu, ‘por decreto’, este parque urbano, estruturante e integrado numa nova centralidade urbana de Oeiras.

 O poeta e escritor David Mourão-Ferreira (1927-1996) lança aqui a primeira semente de ‘uma alameda dos poetas’ e os paisagistas FCC e ES* ‘transformam-na’ em Parque dos Poetas, com uma forte componente paisagística e botânica. Desde a sua génese, aqui se cruzaram várias artes: a poesia, a botânica e a escultura, mas também a música, o teatro e a dança, pois o jardim é a grande síntese.

 

A poesia está no parque

A poesia tem autores e o parque acolhe-os em jardins, marcados pela diversidade de épocas e estilos; as esculturas retratam os poetas e a vegetação estabelece o diálogo entre as várias artes e a ciência botânica.

59 poetas e Luís de Camões. Percorremos a Alameda, a espinha dorsal do parque, como que uma ‘árvore com ramos’, e somos convocados a ler nas ‘folhas-jardim’ a vida e obra de cada poeta; a escultura, figurativa ou abstrata, os materiais inertes ou vegetais, completam todo este universo poético. A vincada modelação do terreno enfatiza estes jardins, e ao mesmo tempo individualiza-os em conchas ou promontórios, evitando-se deste modo o risco da banalização dos grupos escultóricos, e as próprias referências poéticas.

10 poetas da lusofonia e os seus jardins estão alinhados com o Bugio, na Foz do Tejo, representando os países de expressão portuguesa (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe), além dos territórios com influência cultural portuguesa (Timor, Macau, Goa, Damão e Diu).

Da alameda do parque, nos seus mil metros de extensão, somos convocados para a poesia de língua portuguesa dos séculos XII ao XX; 20 poetas portugueses do século XX constituem o âmago da 1ª fase do parque, inaugurada em 2003; a sul deste planalto, descobrimos outros 30 poetas, do século XII aos finais do século XIX, do trovadorismo ao romantismo, incluindo os períodos do neoclassicismo, do barroco e do renascimento.

Luís de Camões está largamente representado em poemas gravados na pedra; a Gruta e a Ilha dos Amores no grande lago, a sul do parque, evocam o grande poeta português (a reabilitação e restauro da mãe d´água pombalina possibilitou a alimentação deste lago e do riacho a montante). A ‘flora d´Os Lusíadas’ cresce nos jardins do poeta, numa importante relação entre literatura e botânica.

A poesia não é um dialecto
para bocas irreais.
Nem o suor concreto das palavras banais.
É talvez o sussurro daquele insecto
de que ninguém sabe os sinais.
Silêncio insurrecto.

José Gomes Ferreira

 

A escultura: ‘metáfora  da criação artística’

Os poetas do século XX, além de Camões e as catorze ninfas do imaginário de Os Lusíadas, são da autoria do escultor Francisco Simões.

Os restantes poetas dos séculos XIII ao XIX foram representados por trinta e cinco escultoras e escultores. Peças de expressão abstrata ou figurativa, transmitem a essência do poeta, mas também a sensibilidade do artista.

Destaco, com profunda homenagem, os artistas e/ou poetas que já faleceram, após o início da construção do parque: Graça Costa Cabral, João Cutileiro, Lagoa Henriques, Francisco Brennand (Brasil) e Eugénio de Andrade.

Poesia e escultura no feminino. Neste universo de artistas (60 poetas e 36 escultores) somos confrontados com diferenças de género; apenas sete poetisas estão representadas no parque: Natália Correia (1923-1993), Sophia de Mello Breyner (1919-2005), Florbela Espanca (1894-1930), Marquesa de Alorna (1750-1839), Soror Violante do Céu (1601 ou 1602-1621), Alda Lara (Angola, 1930-1962) e Alda do Espírito Santo (S. Tomé e Príncipe, 1926-2010).

As escultoras convidadas foram Clara Menéres, Cristina Ataíde, Graça Costa Cabral, Irene Vilar, Luísa Perienes e Susana Piteira.

Quatro séculos separam Soror Violante do Céu (início do séc. XVII) do nosso tempo, e apenas cinco escultoras estão representadas, sinal de que há um longo caminho a percorrer com vista a uma igualdade de oportunidades nas encomendas públicas, mas também a uma validação relativamente à obra no feminino.

Também é justo realçar que, enquanto coautora do parque, nunca senti qualquer discriminação de género na relação com a autarquia ao longo de mais de vinte anos de projetos e obras.

 

O Templo da Poesia

A par dos jardins dos poetas, surgem espaços de recreio e lazer destinados a todas as faixas etárias, procurando conjugar os aspetos físicos da paisagem com a sua potencialidade de composição. O ponto mais singular, orograficamente falando, é o designado Alto do Puxa Feixe, local do ‘Templo da Poesia’, o farol cultural do parque, assim como o mirante sobre a foz do Tejo e respetivo labirinto. A tradição clássica e a modernidade arquitetónica aproximam-se geográfica e temporalmente.

 

O Teatro

Dois anfiteatros existem no parque para a celebração de espetáculos ao ar livre, ou apenas como locais de meditação e descanso. O de maior dimensão localiza-se na 1ª fase, junto ao estádio municipal e à fonte cibernética, permitindo grandes eventos. O anfiteatro Almeida Garrett, de menor capacidade, está vocacionado para peças mais intimistas e situa-se na meia-encosta junto aos poetas do barroco e do romântico.

 

A Água

As fontes, os riachos, o lago com a Ilha dos Amores, transportam a água, essencial à vida deste jardim. Vida no sentido estrito, pois essencial ao desenvolvimento da vegetação e à criação de frescura, som e movimento, mas também em sentido figurado, como meio de purificação e regenerescência.

A água clara desliza suavemente nos riachos, espraia-se nos lagos, mas ganha movimento nas duas fontes cibernéticas a norte e a sul do Parque. Nevoeiros irrompem de rochas, entrecruzando a alameda dos poetas do séc. XX, e somos transportados por estes signos orientais à poesia de Camilo Pessanha, ali tão perto.

A preexistência pombalina é a ‘Mãe d´Água’ de abastecimento ao lago de Camões, mas também o foi à população no chafariz do Espargal. Os ciclos fecham-se, sendo que o objetivo deste parque é também o de sensibilizar todos para a importância deste recurso.

 

A Vegetação

A vegetação sempre desempenhou um importante papel, criando sombra e frescas brisas de encosta, além de garantir a privacidade relativamente à construção envolvente do parque. O conceito de plantação teve por base a criação de um jardim botânico, tal a diversidade de espécies utilizadas, desde autóctones a plantas exóticas, resultantes da diáspora dos Descobrimentos.

 

A UMA OLIVEIRA

Muito antes de Os Lusíadas diz-se que já aqui estavas.
Pré-camoniana,
Muito antes de Os Lusíadas diz-se que já aqui estavas.
Pré-camoniana,
sazão a sazão,
foste varejada séculos a fio.
O pinho viajou.
Tu ficaste.
Ao som bárbaro de um rádio de pilhas,
desdobram toalhas
na tua sombra rala.

Alexandre O’Neill (1924-1986)

 

O futuro é agora

O parque é uma obra aberta, em contínua renovação, um espaço multicultural, nada semelhante a um museu de estátuas ao ar livre.

Foram recentemente concluídas as passagens pedonais norte e sul que unificam os três troços do parque; a construção do centro de jardinagem será iniciada brevemente com um programa mais vasto. Um restaurante com esplanada irá nascer no ‘miradouro do Bugio’, complementando a oferta lúdica do parque.

A pandemia e a era pós-covid irão refletir-se na proposta cultural do ‘Templo da Poesia’, certamente nos espetáculos ao ar livre e no modo como usufruímos deste parque. Uma nova consciência ambiental está a formar-se, e os jardins urbanos são o elo de ligação à natureza, suporte da vida humana.

O Parque dos Poetas abre as portas, ao futuro!

 Já de tanto sentir a Natureza,
De tanto a amar, com ela me confundo!

Teixeira de Pascoaes (1877-1952)

 

*Dr. Isaltino Morais – Presidente da CMO e mentor do parque
Francisco Caldeira Cabral (FCC) e Elsa Severino (ES): paisagistas autores do parque
João Ó Bruno Soares , Diogo Lima Mayer,
Vítor Sambado – Arquitetura
Jorge Lipari Pinto, Fernanda Félix – Engenharia