por Mário Lopes
Professor do Departamento de Engenharia Civil do Instituto Superior Técnico, doutorado em Engenharia Sísmica
Num artigo publicado neste jornal há cerca de uma semana e meia, o dr Henrrique Chaves referia um artigo do ex-primeiro-ministro José Sócrates intitulado o O aeroporto de novo, enfatizando que «o primeiro-ministro Sócrates era um político que não merecia qualquer confiança e que, portanto, havia que vigiar de perto o processo do NAL em Alcochete». Essa falta de confiança está fundamentada no artigo no facto de que «José Sócrates é arguido pela prática de crimes de corrupção […]» e porque «conduziu o país à bancarrota e à troika». O signatário deste artigo concorda com o dr. Henrique Chaves sobre o eng. Sócrates e sobre a necessidade de vigiar de perto o processo do NAL (Novo Aeroporto de Lisboa), mas acrescenta o seguinte: em primeiro lugar não é apenas o processo do NAL que deveria ser vigiado, são todos os processos de grandes obras públicas e não só. Numa democracia os cidadãos têm o direito e o dever de questionar os seus governantes, e por isso todos estes processos de decisão e não apenas o do NAL em particular, devem ser conduzidos com transparência e as decisões sujeitas a escrutínio e avaliação pública. Em segundo lugar as decisões devem ser tomadas por critérios de interesse público e não de interesse privado. Deste ponto de vista pouco interessa quais as motivações de Sócrates para que o NAL fosse para Alcochete. Se o NAL em Alcochete for a melhor solução para a falta de capacidade aeroportuária de Lisboa, não devemos optar por outra solução para servir ou prejudicar outros interesses que não o interesse público, como seriam os eventuais interesses de Sócrates.
Nesta discussão destas não são apenas os argumentos a favor da solução proposta pelo Governo, seja lá ele qual for, que devem ser escrutinados. Os argumentos contra ou a favor de outras soluções também devem ser escrutinados para que o debate público seja um debate informado. Isso inclui os argumentos do dr. Henrique Chaves, ou de qualquer outro cidadão que se manifeste publicamente sobre o assunto. E desculpe que lhe diga, o seu artigo contém conclusões baseadas em análises superficiais e por isso mal fundamentadas. Dou-lhe um exemplo, com o qual estou familiarizado: refere que «colocar o aeroporto principal do país no ‘olho do furacão’, na zona de maior gravidade e probabilidade sísmica, só se pode conceber num país de loucos e irresponsáveis». Esta afirmação fundamenta-se no que está escrito no estudo de impacte ambiental (EIA), que se transcreve do seu artigo: «De acordo com o Regulamento de Segurança e Acções para Estruturas de Edifícios e Pontes (RSAEEP, 1983), a zona em estudo enquadra-se na zona de maior risco sísmico do território português». Mas para entender a relevância desta questão é preciso referir que o RSAEEP define quatro zonas sísmicas e a de maior risco cobre cerca de um terço do território português e inclui o Algarve, grande parte do Alentejo e a região de Lisboa e Setúbal.
Todas as localizações alternativas para o aeroporto de Lisboa (Montijo, Alverca, Ota, Beja, Sintra, Rio Frio, etc.) e o aeroporto da Portela se situam nessa zona de maior risco sísmico. Em alguns dos países mais desenvolvidos do mundo, diversas cidades situadas em zonas sísmicas, onde podem ocorrer sismos mais fortes do que em Lisboa, como na Califórnia, no Japão (Tóquio) são servidas por aeroportos perto das cidades e não fora das zonas de maior risco sísmico. Aliás regulamentos como o RSAEEP destinam-se, entre outros objetivos, precisamente a garantir que as estruturas construídas nessas zonas resistem aos sismos que aí podem ocorrer. E no caso da zona de maior risco sísmico do país, porque razão não se poderiam fazer aí aeroportos mas se pode aí situar a capital do país e todas as infraestruturas, como portos, hospitais, fábricas, etc. que se situam nesta zona?
mariolopes@tecnico.ulisboa.pt