Portugal desconfina-se lentamente, enquanto em França regressamos a casa. O mundo avança e recua ao ritmo de um vírus traiçoeiro que está em constante mutação. Nenhum país é ainda capaz de afirmar que a situação está controlada. Os meios de comunicação social insistem em apresentar Israel como um exemplo, mas os amigos que vivem em solo israelita pintam-me outro quadro. O mesmo acontece no Reino Unido onde, apesar da massiva vacinação, o medo de uma nova variante não desapareceu da noite para o dia.
Tenho amigos e familiares nos quatro cantos do planeta, literalmente. No entanto, há pano para mangas com país onde vivo. O terceiro confinamento chegou acompanhado de incoerências e mergulhou a França numa realidade caótica. Emmanuel Macron falou, mas não convenceu. As dúvidas instalaram-se logo desde a data oficial. A partir do sábado, 3 de abril, deveríamos estar todos confinados. Mas tratando-se do fim de semana da Páscoa, e sendo segunda-feira feriado, o presidente da República deu tolerância para que as famílias tivessem tempo de deslocar-se às suas residências secundárias.
Não estamos todos no mesmo barco e, nem sequer, navegamos nas mesmas águas. Se certas pessoas vão passar quatro ou cinco semanas numa casa de 150m2 em frente ao mar ou num chalet na montanha, outras vão estar enfiadas em exíguos apartamentos. Na cidade onde vivo, 39% das habitações são secundárias. O facto de Saint-Malo estar a pouco mais de duas horas de comboio de Paris ajuda. A cidade foi tomada de assalto pelos habitantes da capital.
Contrariamente aos dois confinamentos anteriores, não precisamos de um atestado de deslocação, no entanto, não nos podemos afastar mais de 10 kms do domicílio e o recolher obrigatório continua a ser às 19H00. Até a Cinderela tinha mais liberdade! Os vários polícias que invadem as ruas após essa hora têm mão pesada com as multas de 135 euros. Tolerância zero.
A escola passou a ser em casa. Nada fora do normal, mas o primeiro dia foi ensombrado por um capricho tecnológico. Os milhões de estudantes não puderam conectar-se às plataformas de aprendizagem. Os sindicatos dos professores acusam o Ministério da Educação de desorganização, mas o governo prefere jurar de pés juntos que tratou-se de um ciberataque vindo do estrangeiro. Claro! A França é vítima de uma conspiração. Pobres alunos franceses que são impedidos, sabe-se lá por qual nação, de estudarem.
De acordo com o primeiro-ministro a vacinação corre sobre rodas, embora saibamos que avança a passo de caracol e, às vezes, até recua como o caranguejo. O Estado gasta milhões de euros em ‘vacidromos’, ‘vacibus’, ‘vaciescolas’. Até o Stade de France foi covid. Muitos não acreditam na sua eficácia e outros temem os efeitos secundários.
O comércio não essencial voltou a fechar portas. Os restaurantes e cafés já só pensam em 2022/2023. As prateleiras dos hipermercados onde estão expostos livros, roupas, sapatos, brinquedos e outros objetos supérfluos foram seladas e fechadas a sete chaves. O Governo já prometeu que os bebés não crescerão durante o confinamento. Ah, uma boa notícia para os pais dos mais pequenos!
Estranha-me a atual apatia dos franceses. Custa-me crer que este é o mesmo povo que cortou a cabeça à Marie Antoinette, queimou sutiãs no Maio de 68 e organizou o movimento dos gilets jaunes. Talvez os reis das greves estejam à espera do momento oportuno para reivindicarem a liberdade perdida. Ou então transformaram-se em cordeiros mansinhos. O futuro o dirá. Temos tempo, estamos confinados!