José Sócrates é muito do PS

Se Sócrates fosse julgado e condenado seria um monstro. Se escapasse, o PS seria acusado de manipular a justiça. A primeira hipótese seria a melhor para os socialistas…

José Sócrates é um animal feroz enjaulado há demasiado tempo. Sócrates deu a primeira e única maioria absoluta ao PS, foi secretário-geral e primeiro-ministro de 2005 a 2011, perdendo as eleições legislativas de 2011, três meses depois ter declarado a bancarrota e pedido ajuda internacional. Em novembro de 2014 foi preso com o país inteiro a assistir pela TV: as visitas à prisão de Évora tornaram-se uma procissão das altas figuras do partido socialista com o menino d´oiro no andor.

Esta semana, passados dez anos, o país voltou a parar para ouvir o juiz de instrução falar horas sobre o primeiro-ministro que mercadejava o lugar a troco de milhões de euros. Bem pode António Costa vir tentar colocar o cordão sanitário em redor de José Sócrates, mas quem acredita? Não só António Costa era o número dois de Sócrates, como ainda os governos de Costa estão cheios de generais de Sócrates. Que dizer do inefável ministro Cabrita? Do todo poderoso Vieira da Silva? Do sibilino Augusto Santos Silva? Do pronto Pedro Marques ou da voluntariosa Ana Paula Vitorino? Generais que serviram os dois chefes de governo.

Bem podem timidamente dizer que José Sócrates já saiu do PS, mas quem acredita? Quando ouvimos o ex-primeiro-ministro na TVI a responder às críticas feitas na véspera pelo presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, dizendo que o autarca era o mandado, mas o mandante padecia de «profunda canalhice» e «covardia moral», percebemos que Sócrates saiu do PS, mas o PS não saiu dele.

Fernando Medina foi objetivamente escolhido para ser o porta-voz do primeiro-ministro quando no seu programa de comentário da TVI afirmou que as suspeitas de recebimentos avultados sem explicações rompem «laços de confiança» e «corroem a nossa vida democrática». Medina foi lapidar mas quem acredita que o autor do recado não era Costa?

Percebe-se que António Costa se mantenha na sombra: qualquer decisão seria sempre má para o PS. Se Sócrates fosse julgado e condenado por dezenas de crimes, seria um monstro. Se escapasse, o PS seria acusado de manipular a justiça. Ainda assim, a primeira hipótese seria a melhor para os socialistas.

Dos 189 crimes de acusação do Ministério Público, o juiz Ivo Rosa deixou cair 172, o suficiente para quase 200.000 pessoas terem assinado uma petição a pedir o seu afastamento da magistratura. O suficiente também para Sócrates dar uma entrevista à TVI em que se procurou inocentar, bem como uma outra conferência que deu à imprensa estrangeira.

Olhando para o exemplo ídolo da esquerda luso-brasileira, Lula da Silva, saído da prisão diretamente para pré-candidato à Presidência do Brasil, todos os portugueses têm motivos para temer o regresso do político mais populista e feroz que Portugal já conheceu. Mas António Costa é bem capaz de ser o português mais conhecedor da exata dimensão do perigo: até porque preparou a cultura de pobreza que permite que um populista e demagogo triunfe.