O estranho caso dos intelectuais de esquerda

Os intelectuais de Esquerda são uma maravilha.

por João Cerqueira
Escritor

Desejam o bem da humanidade, enquanto nós desejamos o nosso bem e o mal do vizinho. Sabem e leram tudo, enquanto nós só lemos jornais desportivos e a Caras. Estão noutro patamar, muito acima do indivíduo comum que gosta de futebol, bebe cerveja e vê pornografia na internet. Impõe-se, por isso mesmo, o devido respeito. Devemos escutá-los, tentar aprender alguma coisa e nunca duvidar do que dizem. Eles é que sabem o que é melhor para nós, como nos devemos comportar e ser governados, quais progenitores esclarecidos que educam crianças tontas.

Porém, gente ressabiada e ignorante aponta-lhes algumas contradições – nada de importante, como se verá.

Como podem estes defensores da democracia, liberdade e direitos humanos ter apoiado regimes comunistas – uma ideologia que matou cerca de 100 milhões de pessoas e condenou a viver numa espécie de campo de concentração mais de 1\3 da humanidade? O homem e a mulher comum que julgam que Adorno é um goleador brasileiro, Rosa do Luxemburgo uma tasca de uma emigrante e Althusser um xarope para a tosse não compreendem isto. Porém, o intelectual de Esquerda explica. Em primeiro lugar, não sabiam de nada. Bom, sabiam que a revolução soviética instaurara uma ditadura, sabiam que Lenine exterminava os seus opositores, souberam em 1933 que Estaline matara à fome milhões de ucranianos, sabiam em 1968 que Mao Tse Tung era o maior criminoso de todos os tempos, sabiam em 1975 que Fidel Castro tinha matado mais gente do que Salazar e estava na mesma envolvido numa guerra em Angola, e sabiam em 2000 que Chavéz era um ditador igual aos outros.

Porém, também sabiam que se tratou apenas de erros ou desvios de uma utopia que iria instaurar o paraíso na Terra. E isso é o que realmente interessa. O bem comum de biliões de seres humanos teria de ter um custo – que até poderia ser pior. Afinal, se a História é uma sucessão de guerras e massacres, por que haveria o Comunismo de ser diferente? Por outro lado, há algum problema em admirar o Império Romano que também matou e escravizou milhões de pessoas, lançou os cristãos às feras e crucificou o próprio Salvador? É alguém acusado de não ser democrata por simpatizar com a ditadura romana? Foi Calígula melhor que Castro? Nero mais brando que Chavéz?

Contudo, a maioria dos intelectuais de Esquerda nunca tolerou matanças excessivas. Quando um ditador comunista começava a matar gente a mais, quando se tornava escandalosamente genocida, deixava-o e saltava para outro que ainda não tinha matado tanta gente. Assim, como se jogassem à macaca, foram saltitando alegremente de Estaline para Mao, de Mao para Fidel Castro e de Fidel Castro (ou melhor, com Fidel Castro) para Chavéz – o ditador unanimemente apoiado pelos intelectuais de Esquerda. E toda esta jigajoga marxista a acenarem bandeirinhas de liberdade e a soprarem cornetas de direitos humanos.

Felizmente em Portugal nunca nenhum intelectual de Esquerda admirou Estaline, Trotsky, Mao, Castro ou Chavéz. Não temos por cá ninguém do calibre de Brecht, Sarte ou até Picasso. Fanáticos, lunáticos e hipócritas – é coisa que não há.

Imagine-se que o Professor Fernando Rosas trocava as suas camisas chiques e os seus suspensórios que o tornam tão elegante por uma farda de guarda da Revolução Cultural, sem dispensar aqueles bonés ridículos – a única coisa boa seria as criancinhas tomarem-no pelo Homem do Saco e passarem a comer a sopa toda. E que seria do charme das Professoras Raquel Varela e Joana Amaral Dias vestidas com aquelas rudes indumentárias ou com aqueles fatos de treino foleiros com a bandeira da Venezuela? –  pessoalmente, penso que até enfiadas numa burca continuariam belas, mas é melhor não arriscar.

Como afirma Sua Excelência o Presidente da República, nos momentos em que não está ocupado a resolver os problemas do país tirando selfies, somos os melhores do mundo: dos pontapés na bola aos pinotes ideológicos, ninguém nos bate.