TGV deixa Bragança mais longe de Lisboa

Pedro Nuno Santos prometeu ligação ferroviária moderna do Porto para Vila Real e Bragança, mas especialistas ‘desconfiam’ do projeto. Com o fim da ‘ponte aérea’, a melhor alternativa de Trás-os-Montes para chegar à capital é… ir a Espanha e apanhar comboio rápido para Madrid. Em Aveiro, estações fazem ‘estalar’ polémica.

por João Amaral Santos e José Miguel Pires

«Para nós é claro que o comboio tem de chegar às capitais de distrito (…) esperamos levar o comboio a Vila Real e Bragança porque Portugal não é só Lisboa e Porto». A ambição nas palavras do ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, para o futuro ferroviário da região de Trás-os-Montes esbarra na «desconfiança» dos especialistas. No âmbito do Plano Ferroviário Nacional (PFN) – apresentado na última semana –, o Executivo colocou em cima da mesa a construção de uma linha moderna e rápida capaz de ligar Porto a Vila Real e Bragança (sem se recorrer às antigas linhas de via estreita do Corgo e do Tua). Utópico? Manuel Margarido Tão, doutorado em economia de transportes pela University of Leeds e docente e investigador na Universidade do Algarve, é um dos que considera esta possibilidade, «no mínimo, pouco realista». 

Ao Nascer do SOL, o especialista explica que  «se trata de um projeto muito complicado» e admite que tem «muitas reservas que possa vir a acontecer». «É muito difícil… Estamos a falar de um projeto feito de raiz, que precisa de profundas e demoradas avaliações, autorizações, intervenções, que poderiam demorar até várias décadas. Já para não falar da questão topográfica, dificílima de contornar, sobretudo na ligação entre Porto e Vila Real», descreve Manuel Margarido Tão. É possível, hoje, tirar alguma conclusão? «Pelo investimento que é necessário, por questões técnicas, pelo próprio retorno desta aposta (ou, neste caso, a falta dele), arriscar-me-ia a dizer que essa ligação não vai acontecer, pelo menos nos próximos 30/40 anos», afirma.
O PFN aponta 2030 para a conclusão da Linha de Alta Velocidade (LAV) que vai ligar Lisboa e Porto em 1h15 (sem as paragens previstas em Leiria, Coimbra e Aveiro); segue-se uma nova linha Aveiro-Mangualde (com passagem por Viseu) – que abre as portas a uma ligação internacional via Vilar Formoso – e, por último, Vila Real e Bragança. Quando, isso, não se sabe. 

A visão ambiciosa de Pedro Nuno Santos refere uma «rede ferroviária nacional muito para lá de 2030 e cujas obras serão lançadas conforme houver orçamento». A meta: « ligar todas as capitais de distrito e as cidades com mais de 20 mil habitantes», garante o ministro. 

Bragança cada vez mais perto da capital… espanhola
Considerando que o comboio não vai chegar a Bragança nas próximas décadas – a não ser pelo Pocinho e Moncorvo (uma ligação à rede por sul que poderia eventualmente ser mais rápida) –, significa que a capital do nordeste português vai perder na próxima década o meio de ligação mais rápido e eficiente ao centro e sul do país: o avião. O PFN pretende decretar ponto final  nas pontes aéreas entre Lisboa e Porto, Lisboa e Bragança e Faro e Bragança, tal como confirmou Pedro Nuno Santos: «[Quero que] as viagens de avião com menos de 600 quilómetros desapareçam da Europa», indo ao encontro das metas ‘verdes’ comunitárias. 

A ser assim, Bragança ficará cada vez mais isolada. Dando-se o caso curioso de a cidade transmontana estar cada vez mais próxima de Madrid e cada vez mais longe de Lisboa. A partir do segundo semestre de 2021, para a capital espanhola basta apanhar o comboio AVE(Comboio de Alta Velocidade espanhol) na novíssima estação de Otero de Sanabria – que só aguarda os pareceres das vistorias técnicas para começar a funcionar (e  é convenientemente denominada Porta Sanabria/Trás-os-Montes) –, uma pequena aldeia do outro lado da fronteira, a 35 quilómetros da cidade portuguesa. Daí, Madrid fica apenas a menos de duas horas. Lisboa continua a cinco de carro. O melhor para chegar à capital portuguesa, será, pois, ir apanhar o comboio a… Espanha. E comprar bilhete para Lisboa.
Entretando, a construção da nova linha ferroviária de alta velocidade entre Lisboa e Porto encontrou uma ‘pedra no sapato’ em Aveiro.

Polémica em Aveiro
Desde que o projeto surgiu,  Aveiro tem lutado para que a sua estações possa receber o comboio. Com os avanços do PFN, a Plataforma Cidades, um movimento cívico que reúne personalidades da cidade para debaterem assuntos da região, tem dedicado várias sessões à ferrovia na região. Numa delas, foi convidado Carlos Fernandes, vice-presidente da Infraestruturas de Portugal (IP), que anunciou os diferentes planos para criação e reformulação da ferrovia a nível nacional. O responsável abordou a criação da ligação de alta velocidade entre Aveiro e Mangualde (com paragem em Viseu), que serviria no futuro para conectar a rede portuguesa com Espanha, via Vilar Formoso e Salamanca, até Madrid, e a posição de Aveiro na LAV entre Lisboa e o Porto. E foram precisamente as declarações sobre a LAV que fizeram ‘estalar’ a polémica na região.

Apesar de Carlos Fernandes garantir, em várias ocasiões, que a IP pretende que o comboio de alta velocidade passe no centro da cidade de Aveiro, através de uma ligação entre a nova linha e a linha do Norte, Alberto Souto de Miranda, antigo autarca da cidade e antigo secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, discordou do plano e criticou as sugestões da IP, num artigo de opinião publicado no Diário de Aveiro, onde alertou que a cidade, conforme os planos assinalados pelo vice-presidente da IP, ficará sem estação CAV. «Ao contrário do que a narrativa apresentada pelo Sr. Eng. Carlos Fernandes anuncia, Aveiro não vai ser uma ‘estação CAV’. Pelo contrário: Aveiro fica despromovido para um ramal da velha linha do norte», pode-se ler no texto, depois replicado em outros jornais regionais. O ex-autarca aproveitou ainda para referir que «Aveiro ficará entre Oiã e Canelas, não entre Lisboa e o Porto», uma realidade que, garante, é «má […] quer para Aveiro, quer para o próprio CAV». O Nascer do SOL tentou falar com Alberto Souto, mas o político não quis prestar declarações.

Em causa está a proposta da IP, anunciada por Carlos Fernandes, de construir uma estação da LAV na zona de Canelas, 20 quilómetros a norte de Aveiro (que, para já, só tem garantida a ‘viabilidade técnica’), que teria uma dupla função: primeiro, de atravessamento, e segundo, servir como local de embarque e desembarque de cruzamento entre os comboios vindos de Mangualde (e eventualmente Espanha) e a LAV entre Lisboa e o Porto – o que foi interpretado por alguns atores locais como estando a colocar em causa os planos que preveem que as paragens do comboio de alta velocidade ocorram na estação no centro da cidade (com o TGV português a lá chegar pela linha do norte, transformada em via de acesso). Acontece que, se a linha de Mangualde cruzará com a linha entre Lisboa e Porto em Canelas, a estação central de Aveiro pode deixar de receber os comboios da LAV, já que isso obrigaria a uma paragem dupla na região. 

O responsável da IP vincou, ainda na sessão da Plataforma Cidades, que seria «quase impossível levar esta linha, em caraterísticas de traçado de alta velocidade, até à estação central de Aveiro sem ter impactos brutais sobre o território. […] Seria muita expropriação, além de viadutos e túneis com impacto fortíssimo sobre o território», o que, garante, levou a IP a preferir optar por um desvio pela Linha do Norte para permitir a entrada dos comboios de alta velocidade no centro de Aveiro. A utilização das mesmas linhas utilizadas pelos comboios Intercidades, Alfa-Pendular e Urbanos pode, no entanto, custar alguns minutos à travessia, não estando disponível em todas as viagens de alta velocidade entre Lisboa e o Porto (embora não especificando Carlos Fernandes qual seria a frequência de passagem destes comboios no centro de Aveiro).

Entretanto, o Ministério das Infraestruturas respondeu este sábado ao contacto do nosso jornal, confirmando que «chegar a todas as capitais de distrito é um dos objetivos apresentados para integrar o PFN». A tutela de Pedro Nuno Santos confirma, porém, que «os investimentos que estão previsto realizar até 2030 são os que estão incluídos no Programa Nacional de Investimentos (PNI) 2030, dos quais não faz parte a ligação a Bragança». «A obra não integra a programação do PNI 2030 nem foram estudados traçados para essa ligação, pelo que não é possível, com o necessário rigor, estimar o tempo que levaria a sua execução», acrescenta.

Quanto à questão de Aveiro, é explicado que «o traçado estudado é o que melhor dá resposta do ponto de vista técnico e ambiental». «A existência de apenas uma bitola [na linha do norte e na LAV] permitirá maior versatilidade aos serviços que poderão ser prestados, designadamente o acesso do comboio de alta velocidade para o centro da cidade, articulando-se com os restantes serviços da linha do norte», refere o Ministério das Infraestruturas.

[Notícia atualizada às 12h10]