Estava uma bela tarde de Sol em Nova Iorque, nesse dia de março de 1961, mas para John Payne serviu de pouco. O Buick descontrolado que o apanhou em cheio deixou-o em péssimo estado. O condutor justificou-se com o sol das duas da tarde, caindo oblíquo sobre o para-brisas e cegando-o por momentos. A populaça curiosa que rodeou o local do acidente, em Madison Avenue, reconheceu de imediato a cara ensanguentada da vítima. Tratava-se de John Howard Payne, ator de Hollywood que fizera o papel de protagonista em filmes como The Eagle and the Hawk, Tripoli, The Razor’s Edge, Raiders of the Seven Seas, Kansas City Confidential, Crosswinds, Passage West e um nunca mais acabar deles que serviriam para encher todas as linhas que se seguem até ao ponto radicalmente final.
Payne foi um menino bonito dos papás, Ida Hope e George Washington Payne, numa casa clássica de Roanoke, Virginia, daquelas a que os arquitetos gostam de apelidar de estilo antebellum – antes da Guerra da Secessão – e que ardeu em circunstâncias que ficaram por apurar mas não dizimaram propriamente o pé-de-meia de George Washington, um industrial de inequívoco sucesso.
O garoto da família Payne podia ser estragado com mimos mas tinha um feitio violento que não se topava à superfície com apenas uma vista de olhos. Por tudo e por nada, gostava de se meter em cenas de pancadaria com a rapaziada da sua idade e, conforme foi reforçando o esqueleto com uma dose razoável de músculos, passou a estar sob a vigilância dos professores de boxe da Columbia University que sabiam bem como encaixar uns dinheirinhos extras através da apresentação de moçoilos prometedores a proprietários de ginásios e viciados em apostas. John gostou de ser visto como um futuro pugilista. A sua vaidade, que já não era escassa, inchou como um balão de hélio e a subitânea ascensão no pequeno meio dos boxeurs universitários foi suficiente para o fazer arrancar os pés do chão.
Viria a pagar por isso, embora fosse um daqueles mamíferos que cospe no chão, enfia o chapéu de cowboy, e cavalga até ao pôr do sol sem o mínimo arrependimento que o faça voltar para trás.
Poucos são os vaidosos que não são mulherengos e vice-versa, salvo erro. O boxe estragou um bocado a cara à Rodolfo Valentino de Payne, mas eis outro efeito que o rapaz mandou às urtigas. Divertia-se à brava a ser Tiger Jack Payne nos ringues de boxe, ora dando ora apanhando, já que nunca foi um às na matéria, e gozava ainda mais quando vestia um daqueles ridículos fatos de banho com peitoral e assumia, nos combates de luta livre a personagem de Alexei Petroff, O Selvagem das Estepes. Aí sim, levava forte de feio. Provavelmente terá sido o motivo para desistir daquele tipo de palhaçadas e se deixar levar como galã para películas xaroposas produzidas pela Paramount, Warner Bros e pela 20th Century Fox. Era gente que pagava bem. Até em papéis subalternos nos quais pronunciava no máximo umas quatro ou cinco frases.
Em 1937, com 25 anos, embeiçou-se. A avezinha que lhe tombou nos braços chamava-se Anne Shirley e era um bocadinho sensaborona. Se quiserem confirmá-lo, revejam por exemplo The Devil and Daniel Webster. Ou melhor, não vejam. Há por aí coisas mais interessantes.
Ao fim de três anos de casamento, Payne também encontrou coisas mais interessantes do que Anne e uma delas falava português e tinha nascido e Marco de Canavezes. Chamava-se Carmen Maria Miranda da Cunha, não ia além do metro e cinquenta, mas era irrequieta e bem disposta, algo que John estava a precisar no intervalo entre o seu divórcio com Anne e o seu castamente subsequente com outra estrela de Hollywood, esta bem mais brilhante, Gloria DeHaven que tivera o seu primeiro papel no cinema como uma garotinha pela mão de Charles Chaplin em Os Tempos Modernos.
Pelo caminho, o realizador Walter Lang, juntou John Payne e Carmen Miranda em Havana para serem protagonistas de Week-End in Havana, uma misturada de cenas de dança e de romance ao som de músicas caribenhas e de uns toques de samba para que a rapariga que tinha uma cesta de fruta na cabeça pudesse cantar na sua língua natal.
Língua puxa má-língua, e John e Carmen não se livraram dos boatos de terem tido um caso tórrido no ambiente já de si também tórrido da Cuba de 1941. Passaram por isso como cães em vinha vindimada. A rebaldaria em forma de filme disparou nas tabelas das preferências e atingiu mais de 25 mil dólares de lucro, deixando Citizen Kane muito para trás. As bananas e os ananases que serviam de tranças a Carmen na canção final, The Nango, fizeram Payne esquecer por completo que já fora o Selvagem das Estepes. Estava calor demais para isso em Havana.
afonso.melo@newsplex.pt