Indígenas exigem retorno dos restos mortais de crianças encontradas no Canadá

A descoberta dos cadáveres de 215 crianças num antigo internato para indígenas separados das famílias expôs a história sombria do Canadá.

A descoberta dos cadáveres de 215 crianças, algumas com três anos, na Kamloops Indian Residential School, um internato administrado pela Igreja Católica e fechado em 1978, na Colúmbia Britânica, para onde eram arrastados menores indígenas retirados às suas famílias, chocou o Canadá. E Levou a Assembleia das Primeiras Nações, na terça-feira, a exigir um inquérito às valas comuns de crianças indígenas, escondidas um pouco por todo o país.

”É um segredo aberto que as nossas crianças jazem na propriedade de antigas escolas. É um segredo aberto que os canadianos não podem mais ignorar”, concordou Sol Mamakwa, deputado do Novo Partido Democrático, um partido da oposição, citado pelo Guardian.

Já o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, fez questão de frisar que estar “chocado com a vergonhosa política que roubou crianças indígenas das suas comunidades”. Acrescentando, face à descoberta na Kamloops Indian Residential School, que “infelizmente, esta não é uma exceção ou incidente isolado”, que “crianças foram tiradas às suas famílias, devolvidas danificadas ou não devolvidas de todo – mas sem se comprometer com um levantamento nacional das valas comuns indígenas.

A política de separação de indígenas da sua família para as “civilizar agressivamente”, como descrevia o Governo canadiano à época, e assimilar na sociedade – algo que, incrivelmente, vigorou entre 1831 e 1996 – afetou mais de 150 mil crianças. Expondo-as a violência, malnutrição, surtos inacreditáveis de tuberculose, sarampo ou gripe, e abusos sexuais, revelou uma comissão de investigação a este “genocídio cultural”, em 2015. Estas crianças não só ficavam isoladas da sua família e comunidade, como eram forçadas a converter-se ao cristianismo e proibidas de falar a sua própria língua – dentro dos 130 internatos que funcionavam neste modelo, alguns tinham uma taxa de sobrevivência de 50%.

Estima-se que mais de 80 mil sobreviventes lidem com o trauma deste sistema, reavivado pela descoberta dos 215 cadáveres. Como Geronimo Henry, que passou a sua infância inteira internado, entre 1942 e 1953.

“Nunca ninguém me disse boa noite, nunca ninguém me disse ‘adoro-te’, ninguém me abraçou durante 11 anos. E esses são os anos mais importantes da tua vida”, contou à CTVNews, enquanto deixava um peluche à porta da sua antiga escola, em memória dos que perderam a sua vida na Kamloops Indian Residential School. Henry sabia bem que podia ter tido o mesmo destino. “Tentei suicidar-me quando saí de lá”, admitiu.

Mesmo com esse passado sombrio a espreitar, foi preciso que o povo Tk’emlups te Secwépemc se colocasse em campo para se encontrar os cadáveres escondidos na Kamloops Indian Residential School, de que se falava há décadas, recorrendo a um sonar subterrâneo. Para finalmente enterrar condignamente todas essas crianças e reconhecer “uma perda impensável que era falada, mas nunca documentada”, nas palavras da chefe Rosanne Casimir, líder do povo Tk’emlups te Secwépemc.