Retificar os nomes

Mesmo a extrema-esquerda mais totalitária reivindicava-se do ideal de… progresso. Esta ultraesquerda de agora é ultrarreacionária e uma ameaça à liberdade e ao progresso

1.Quem se apossa das palavras apossa-se das mentes. É isso o politicamente correto. 

2. Muito antes de Chesterton, Mann, Orwell ou Camus o terem dito, foi Confúcio o primeiro que se apercebeu do fenómeno, remetendo para o que lhe está na origem e explicando as suas consequências. Facto que revela, aliás, o começo pioneiro da civilização chinesa e o seu avanço durante dois milénios.

Confúcio queria ser político, mas viu-se sempre confinado ao papel venerado mas relativamente inofensivo de Supremo Educador. Um dia, um discípulo perguntou-lhe: «Se lhe fosse confiado o governo, qual seria a primeira iniciativa do Mestre?». A resposta foi surpreendente: «Retificar as denominações [os nomes]. Se as denominações não estiverem corretas, a linguagem não tem objeto. E quando a linguagem não tem objeto, a ação humana torna-se impossível».
 
3. O exemplo mais recente foi a captura e corrupção de um nome seminal – todavia de significado bem claro e sólido registo histórico e filosófico: o termo ‘progresso’, ‘progressismo’. Termo que a ideologia woke capturou, pervertendo-o até ao seu oposto. Pelas aberrações substantivas que vai impondo, manda o rigor e a evidência empírica que o politicamente correto, como ideologia neo-obscurantista, deva ser designado pelo nome de significado oposto: ‘regressismo’.

4. ‘Regressismo’, regressão civilizacional, e não ‘progressismo’, o nome nobre que os fanáticos do novo culto se auto atribuem, contando com a submissão ou a inadvertência das pessoas. Nome ao qual, por insuficiente compreensão dos efeitos do logro, muito boa gente vai cedendo (a menos inadvertida acrescentando-lhe, por pudor, um ‘neo’: ‘neo-progressismo’).

5. É ‘regressismo’, de facto, até na negação da natureza progressiva da investigação científica, provavelmente o exemplo mais incontroverso de uma tendência de progresso (sem que deva excluir-se a necessidade de subordinação das aplicações da ciência aos valores humanos universais).

6. Um regressismo documentado em crescentes manifestações e práticas, as mais absurdas (como bem as vem referindo João Brás). E bem claro no retorno do tribalismo, na multiplicação anti-humanista e anti-universalista das identidades, levada a domínios inimagináveis. A fobia à heterossexualidade, por exemplo, paroxismo que parece remeter, em última instância, a realidade humana para o tempo imemorial da vida animal hermafrodita na Terra.

7. Um outro termo de que se apossaram, tornando-o significante do seu contrário, foi ‘liberalismo’. ‘Neoliberalismo’, dizem-no. Fenómeno de que há muitos anos um insuspeito professor de Filosofia, Fernando Belo, logo se apercebeu e argumentadamente desmontou. Na verdade, o ‘neoliberalismo’ opõe-se ao ‘liberalismo’. Surgiu à direita nos EUA, precisamente para se opor ao liberalismo, da esquerda liberal americana.

‘Ultraliberalismo’, chamou-lhe certeiramente Amin Malouf, fazendo coincidir o nome com a coisa. 
Ultraliberalismo que não é liberal – tal como ultra direita que não é direita, e ultraesquerda que não é esquerda. Nem sequer é extrema-esquerda. Esta, mesmo a mais totalitária, reivindicava-se do ideal de… progresso. Que incontroversamente a distinguia desta ultraesquerda de agora, ultrarreacionária, ameaça à liberdade e ao… progresso.