«Qualquer pessoa pode saber, desde que queira; compreender é que é difícil».
Einstein
São várias, de diversa natureza, as dificuldades de um ocidental em compreender a China.
Desde logo, o autocentramento, hipertrofiado pela hegemonia económica e imperial do Ocidente nos últimos 300 anos, com a concomitante ignorância ou conveniente amnésia da História. Mas desde início dos contactos, que começaram cedo (no alvorecer do século I, Marco Túlio Cícero advertiu os seus concidadãos de que, se o Governo do Império do Meio seguisse uma política desfavorável, isso causaria pânico financeiro em Roma), pesou logo a dificuldade das línguas e da escrita – que erguia uma barreira ao conhecimento.
A visão esquizofrénica de uma ‘China má’ e de um ‘Ocidente bom’ é também induzida pela perceção dicotómica das coisas inscrita no começo de pensamento filosófico no Ocidente, isto é, no mundo indo-europeu – do negro ou branco –, inversa à perceção matizada das coisas determinada por um começo de pensamento radicalmente diferente no mundo chinês.
A dificuldade de compreensão é, entre nós, maior e mais antiga, e é mais inaceitável tendo em conta a presença (pioneira e singular) dos portugueses na China durante 500 anos!
Repare-se nesta aberração. Entre 1792 e 93 passou por Lisboa, ‘à procura de intérpretes’, a embaixada de George McCartney à China. Eram vários navios do «maior imperador do Ocidente» para convencer «o maior imperador do Oriente [Qianlong] a abrir-se ao comércio inglês». E foi a última oportunidade do império Manchu para quebrar o fechamento da «perfeição petrificada» que se sentia e fora durante milénios a civilização chinesa», até então no centro do mundo civilizado. Pois imagine-se que, para seu espanto, os ingleses não encontraram aqui os intérpretes que vinham procurar!
Essa dificuldade de compreender o universo chinês é hoje catalisada pelo ressentimento face à reemergência da China no concerto das nações. Reemergência esta impulsionada pela sua legítima expansão económica, não apoiada na força bélica, ao contrário do que sucedeu com grandes potências nos séculos XIX e XX, e depois com os EUA.
O império americano, perante a ameaça de perder a hegemonia em favor da China (apesar do empenhamento do Governo chinês num concerto multilateral, que constitui uma oportunidade para a Europa), acionou uma máquina de propaganda imensa, não hesitando no fomento da independência impossível e suicida de Hong Kong, idêntico ao que promovera antes em Tiananmen (financiados ambos por milhões de dólares).
Na continuidade da sua história, que é a mais longa do planeta, nunca a China quis exportar o seu modelo político ou fez uma guerra que não fosse defensiva. Inversamente, atente-se nos 300 anos de intrusões do Ocidente no território chinês, hoje no espaço de respiração marítimo, de exportação e importação, da China.
Só uma invasão da China a levaria para a guerra, praga que os chineses temem, porque os flagelou milenarmente. 25 milhões de chineses foram mortos na invasão mongol no século XIII, quando eram 75 milhões. 75 milhões morreram na invasão Manchu, numa população de 250 milhões! 300 mil morreram só em Nanquim, na invasão japonesa, com a China a combater mais uma vez ao lado dos aliados.
Agrícola e comercial, a China precisa de vender para produzir. Sem paz, sem uma ordem internacional multilateral que a garanta, terá uma crise económica e social devastadora para os milhões de chineses deslocados dos campos para as zonas urbanas de industrialização. E o regime cairia.
Nota 1. Importa saber se a inovação poderá prosseguir sem o regime alargar ao político (em que parece ter regredido com Xi Jinping) as liberdades liberais na economia, no mercado, na educação e na investigação.
Nota 2. O investimento militar chinês recente incide na defesa. Navios de defesa costeira, armas terra-mar. Tem um porta-aviões operacional e outro em construção, nenhum nuclear, supõem os especialistas. Pois vai precisar de defender as suas rotas de comércio. E não pode ignorar eventuais operações de repatriamento dos seus nacionais que trabalham na África e na Ásia, em caso de catástrofes naturais ou conflitos armados.