Crenças e evidências sobre o papel da memória na aprendizagem escolar

Por Célia Oliveira Doutorada em Psicologia Experimental e Ciências Cognitivas Docente da Faculdade de Psicologia, Educação e Desporto da Universidade Lusófona do Porto A memória humana é o produto singular de uma simbiose entre aprendizagem, recordação e esquecimento. Esta definição, de Robert Bjork (2011), ilustra a indissociabilidade dos processos de memória e de aprendizagem. Porém, o…

Por Célia Oliveira

Doutorada em Psicologia Experimental e Ciências Cognitivas

Docente da Faculdade de Psicologia, Educação e Desporto da Universidade Lusófona do Porto

A memória humana é o produto singular de uma simbiose entre aprendizagem, recordação e esquecimento. Esta definição, de Robert Bjork (2011), ilustra a indissociabilidade dos processos de memória e de aprendizagem. Porém, o papel da memória na aprendizagem escolar continua a ser alvo de controvérsia e de crenças cientificamente infundadas. Partindo de asserções populares, ilustram-se duas dessas crenças, às quais se contrapõe a evidência científica.

1.ª crença: «Para aprender, não interessa decorar, mas sim, compreender». 

Evidência: a aprendizagem é indissociável da memória. 

A dicotomia entre aprendizagem e memória corresponde a uma visão, redutora e cientificamente ultrapassada, que atribui à memória uma função estática de mera reprodução da informação. Contudo, a maioria das aprendizagens académicas (e não só) resulta da intervenção de estratégias mnésicas diversificadas e flexíveis, essencialmente baseadas na atribuição de significado a uma nova informação (por exemplo, por associação com conhecimento prévio ou através da prática variada). Estas estratégias determinam a informação que será retida (ou ‘decorada’) e reativada sempre que o conhecimento for recuperado e utilizado. Assim sendo, aprender implica necessariamente ‘memorizar’, isto é, formar uma nova memória.

2.ª crença: «A informação está toda no Google. O que interessa é a criatividade e a capacidade de resolver problemas». 

Evidência: A memória sustenta o pensamento complexo.

A crença na dispensabilidade da memória humana é incompatível com o que cientificamente se sabe: o conhecimento é a matéria-prima do pensamento e da generalidade das competências cognitivas complexas. A disponibilidade de informação na memória é condição sine qua non para pensar criativamente, ativar conhecimento para resolver problemas, fundamentar uma argumentação ou construir um pensamento crítico. Ninguém compreende ou raciocina no vazio conceptual. A aquisição de conhecimentos está na base, não só da maioria das aprendizagens, como do desenvolvimento intelectual. Mesmo a informação que aparentemente se esqueceu influencia a capacidade de realizar novas aprendizagens.

Numa época em que as aprendizagens escolares foram severamente comprometidas e em que a recuperação das mesmas é um desiderato social, o conhecimento dos processos de memória constitui uma mais-valia para a promoção de aprendizagens sólidas e duradouras. Neste sentido, torna-se fulcral reconhecer e reabilitar o papel da memória na aprendizagem escolar. Aprender é memorizar. Saber é recuperar da memória o que se aprendeu. ‘Saber de cor’ é, por isso, essencial.