As pessoas andam secas

“Não. A vida não parou, mas é a sensação que dá. Não é?” Ouvi, abruptamente dito por uma senhora a um senhor, de passagem pelo Jardim da Parada.

por Catarina Teles de Menezes

Tenho ideia de já os ter visto aos dois por lá umas quantas vezes, dando voltas ao quarteirão, fintando as folhas, sempre de olhares presos ao chão. Sei que não se conhecem, a não ser dali, a não ser de vista (como a maioria dos portugueses se conhece). Estão ambos sempre sós e, até por isso, se reconhecem.

Nunca lhes soube o nome. Ele, homem de poucas palavras, ligeiro sorriso instalado, tipo aparentemente pacato com centenas de inseguranças. Ela, medrosa de gema que a vida fez destemida, entrega-se sempre confiante a dois dedos de conversa, desconsiderando o tremer das suas mãos.

Ele encolheu os ombros sem esforço, mexeu a boca com desagrado e acenou que sim com a cabeça. Percebi-o claramente desmotivado, entorpecido, incapaz de expressar outro sim que não aquele. Ela, lendo-o da boina aos sapatos, entendeu que teria de falar pelos dois.

“É… Eu sei! Anda tudo seco… As pessoas estão como palha… Completamente secas!” Ele não retorquiu. Ela acabou por se resignar. Vi que ambos se afastaram cabisbaixos, prosseguindo o seu caminho, cansados de nada, distantes de tudo – saudosos da vida que esperam ter ainda por viver – com os olhos embebidos em gotas contidas.

Depreendi que as folhas os tinham ouvido. Havia demasiadas esquecidas em bancos farpados, da cor da madeira, camufladas pelo tempo. Nesse momento, quis escrever sobre pessoas, sobre o quão elas andam secas e sobre a ironia que existe em que isso as faça chorar.

Estava sozinha quando vi chegar a frustração. Ser escritor é ser só. É nunca encontrar a palavra certa. É nunca ceder a um resumo bastante. É nunca dizer quanto baste – porque o sentimento trilhado nunca se descreve. O que fazemos é tentar, procurar o quase e crer que talvez tenhamos estado perto, para minorar a tristeza que é sentir que a vida é intensa demais para que a possamos frasear.

Tenho para mim que as maiores vagas de inspiração surgem quando não temos uma caneta na mão. Estamos a meio de um passeio, vemos um abraço e, de repente, compusemos um poema do qual nunca teremos registo. Pensei para mim, quanto peso existe sempre nas razões que geram os livros.

Continuei sentada à medida que os via seguirem o seu rumo, mas bocadinhos de cada um deles tinham ficado ali. A pedirem-me que os eternizasse. A condenarem-me injustamente a essa tarefa de resultado sempre ingrato. Como se a beleza daqueles dois dedos de conversa fosse passível de ser concretizada.

Ser escritor é ser só. É dizer mentindo que somos o que escrevemos – quando sabemos que o que somos, sobretudo, é aquilo que tentamos escrever – sem nunca conseguir.