Cabrita, o contumaz

Se Jorge Coelho fosse vivo, já teria pegado no telefone para dizer a António Costa e Eduardo Cabrita que ao PS não basta ser o partido charneira inventado por Mário Soares, o PS tem de se constituir como uma referência moral.

Se um homem está na estrada a trabalhar e é morto por um carro a 200kms/hora, isso não é um acidente de trabalho, é um homicídio. Se um trabalhador resolve ir para o meio da estrada fumar um cigarro ou deitar-se e é atropelado, isso também não é um acidente de trabalho, é mais um suicídio. Se uma pessoa está num contexto laboral qualquer fatalidade que lhe ocorra não é necessariamente um acidente de trabalho. Um acidente em trabalho não é automaticamente um acidente de trabalho. Pode ser vítima de um crime (homicídio) ou até resolver cometer suicídio e é óbvio que estas questões fazem toda a diferença na hora de pagar, ou não, a indemnização. Um homicídio ou um suicídio excluem o pagamento de indemnização por acidente de trabalho. 

No caso do ministro Cabrita e do embate do carro oficial em que seguia de que resultou um homem morto, é extraordinário constatar como a primeira, a segunda, a terceira noticia que apareceram sobre o tema apontaram sempre para a fuga às responsabilidades. Desde o início se culpou o trabalhador e se empurraram as responsabilidades para a empresa que estava a fazer as obras. Depois começam os factos bizarros, segundo as notícias que foram saindo: parece que nem o motorista nem o ministro saíram do carro após o atropelamento. De testes de álcool e outras substâncias também não se ouviu falar. Nenhum membro do governo terá contactado a família nem comparecido ao funeral. Entretanto, a Brisa desmente o Governo. A última noticia dá conta que a GNR teria sido impedida de fazer perícia ao carro de Eduardo Cabrita. 

A morte do trabalhador vai acabar em tribunal para discutir de quem é a responsabilidade e quem paga a indemnização (ou não). Do ponto de vista jurídico, é uma questão semelhante a tantas outras que vão parar aos tribunais todos os dias. 
Porém, em tratando-se de um ministro, ultrapassa-se a questão jurídica (que envolve uma morte), passando a ser política, moral e ética. 

O ministro Cabrita porta-se politicamente como um contumaz. Aquele que se recusa a comparecer perante o juízo da opinião pública, aquele que é reincidente no desprezo da ética republicana de prestação de contas aos seus concidadãos. 

Se Jorge Coelho fosse vivo, já teria pegado no telefone para dizer a António Costa e Eduardo Cabrita que ao PS não basta ser o partido charneira inventado por Mário Soares, o PS tem de se constituir como uma referência moral, o fiel depositário do ideal republicano e que o desprezo de Cabrita por esse ideal, sob o olhar complacente de António Costa, vai arruinar o PS.

Haja alguém que lhes explique que um Estado pobre, com instituições fracas, cansado e depauperado por uma pandemia, não pode ter um ministro contumaz e um primeiro-ministro cúmplice. Liguem do largo do Rato ou de Belém, mas liguem.