Debate-se a política dos dois filhos na Índia

O partido nacionalista hindu de Modi é acusado de ter como alvo a comunidade muçulmana, sob o falso pretexto desta ter taxas de natalidade elevadas. 

Vários estados indianos, incluindo o mais populoso, Uttar Pradesh, que bate os 240 milhões de habitantes, estão a ponderar impor uma política de dois filhos. A proposta de nova legislação oferece incentivos a pais que aceitem ser esterilizados, após terem o seu segundo filho e propõe negar subsídios ou empregos no setor público às famílias que não o façam. 

Com a população da Índia prestes a ultrapassar a população da China – a estimativa das Nações Unidas é que isso ocorra em 2027 – a discussão começa a fazer lembrar a da China nos anos 80, quando se optou pela política do filho único. O colossal falhanço dessa política, que causou abortos forçados e uma enorme desequilíbrio demográfico, com muitas famílias a preferirem meninos a meninas, enquanto a sociedade envelhecia e a sua base contributiva se erodia, poderia fazer a Índia pensar duas vezes. A China até já recuou para uma política de três filhos – mas o Partido do Povo Indiano (BJP, em hindi), parece irredutível. 

No centro da refrega está Yogi Adityanath, o líder do Executivo de Uttar Pradesh, um monge considerado como um dos mais extremistas dentro do BJP, um partido nacionalista hindu.

Como não podia deixar de ser com Adityanath, confesso islamófobo, o alvo da nova legislação de controlo de natalidade é a comunidade muçulmana indiana, acusam os seus detratores. Em Uttar Pradesh, há o rumor recorrente que os muçulmanos têm mais filhos, e que os hindus correm o risco de se tornar uma minoria, algo que não é suportado pelas estatísticas, escreve o jornal indiano The Quint.

A questão é que Adityanath enfrenta eleições estaduais no próximo ano e quer garantir que tem o voto hindu na mão. Já os estados de Assam e Gujarat – que também têm grandes comunidades muçulmanas e são governados pelo BJP – devem seguir pelo mesmo caminho.

Por agora, estas medidas de controlo de natalidade têm sido apresentadas pelo Governo de Uttar Pradesh, como tentativa de preservar recursos económicos, num país que, de facto, tem experienciado um forte crescimento demográfico. Mas Adityanath não resistiu a referir que o seu objetivo também é “garantir que há um equilíbrio populacional entre as várias comunidades” 

 

Dados Não seria a primeira vez que um estado indiano optava por uma política de dois filhos. O problema é que nunca houve um estado indiano tão populoso a optar por isso, que a eficácia deste tipo de política nunca foi provada, e que a taxa de fertilidade em Uttar Pradesh até estava a diminuir há anos. Os dados do Governo mostram que a taxa de fertilidade no estado diminuíram de 4,82 em 1993 para 2,7 em 2016, projetando-se que batam nos 2,1 em 2025. 

Além disso, “há evidências de que as medidas de controlo de população podem levar a consequências negativas como o aumento da seleção por sexo e abortos inseguros, especialmente dada a forte prefência por filhos no país”, notou Poonam Muttreja, diretor-executivo da Population Foundation of India, ao The Print.

Além que o problema da Índia não é tanto escassez de recursos por excesso populacional, mas a má distribuição, considerou K. S. James, diretor do International Institute of Population Sciences, à BBC. “As nossas cidades são cheias e mal planeadas. Isso dá uma imagem de sobrepopulação”, exemplificou.