Proibir o Sarrabulho e cercar Ponte de Lima

“Há uma ameaça muito mais grave do que as Bolas de Berlim e os croquetes: o Arroz de Sarrabulho de Ponte de Lima. Este prato diabólico que combina rojões, enchidos, batatas e arroz com sangue deve ter sido ditado pelo próprio Satanás a alguma cozinheira limiana nos alvores da nacionalidade. Porque é a coisa mais…

Por João Cerqueira

Depois de ter impedido os alunos do ensino particular de terem aulas online durante o confinamento, o senhor ministro da Educação Tiago Brandão tomou mais uma medida exemplar: baniu das escolas os bolos, os croissants, a sandes de presunto, o chocolate e outros venenos que ameaçavam a juventude. No meu tempo, havia disso tudo no bar do liceu e eis o resultado: eu, assim como milhares de jovens que foram vítimas da pastelaria e dos salgadinhos, pesamos mais de cento e cinquenta quilos e temos todas as doenças possíveis. É um milagre estarmos vivos. Brindemos pois a tão sensata decisão – com água porque o vinho e a cerveja também fazem mal.

No entanto, a saúde pública continua em risco pelo facto de os donos (as) dos cafés –  essa burguesia gananciosa – já começarem a esfregar as mãos pela oportunidade de negócio que o senhor ministro lhes proporcionou. Esses mesmos bolos, sandes e bebidas que foram banidos da escola vão estar à disposição da rapaziada do outro lado do passeio. E como aconteceu com a Lei Seca que proibia o álcool, esta Lei Doce e Salgada, este fruto proibido, irá decerto ser ainda mais apetecido.

Mas os problemas do senhor ministro e dos responsáveis pela saúde não acabam aqui. Há uma ameaça muito mais grave do que as Bolas de Berlim e os croquetes: o Arroz de Sarrabulho de Ponte de Lima. Este prato diabólico que combina rojões, enchidos, batatas e arroz com sangue deve ter sido ditado pelo próprio Satanás a alguma cozinheira limiana nos alvores da nacionalidade. Porque é a coisa mais gorda e calórica que se inventou. E porque é também um dos pratos mais deliciosos que a humanidade concebeu. Quem for a Ponte de Lima comer um Sarrabulho fica agarrado para o resto da vida. O Sarrabulho vicia mais do que o tabaco e a heroína juntos.

As vítimas do Sarrabulho são incontáveis. Veja-se o caso do canoísta limiano Fernando Pimenta[1]. Provou um rojão um mês antes dos Jogos Olímpicos e foi o suficiente para não ganhar qualquer medalha em Tóquio.

Eu próprio, além dos bolos liceais, fui também vítima do Sarrabulho. Desde pequeno que o comia nos restaurantes de Ponte de Lima, mas a verdadeira catástrofe deu-se quando um amigo limiano me convidou a ir à sua casa comer um Sarrabulho à moda antiga. Foi uma orgia gastronómica que durou mais de três horas durante a qual ingeri toneladas de Sarrabulho e bebi copadas de tinto e branco de Ponte de Lima. Quando me levantei da mesa, já não sabia se estava no Minho ou em Marte. Além do prazer gastronómico, o Sarrabulho fez-me viajar para outras dimensões da consciência.

Esqueçam o LSD,  alucinante e psicadélico é o Sarrabulho.

Naturalmente, Ponte de Lima transformou-se numa Meca da culinária que todos os fins de semana atrai romarias de viciados em Sarrabulho.  E como a vila é uma das mais bonitas de Portugal, está formada a tempestade perfeita. Até já os estrangeiros começam a radicar-se na terra e, horror dos horrores, a gostar de Sarrabulho.

Temos de os salvar! Há que formar um cordão sanitário para impedir os Sarrabulho-Dependentes de entrar em Ponte de Lima e gozar as delícias da vida.

Contudo, uma vez que o exército está ocupado com a vacinação e a GNR e a PSP têm de impedir os ministros de ultrapassar os 200 Km/h nas estradas, receio que o senhor ministro da Educação terá que continuar a sua cruzada pela saúde pública organizando o cerco a Ponte de Lima. Mas eis que surge um novo problema. Os limianos são gente simpática e hospitaleira, mas ai de quem se meta com eles. Homens de barba rija, mulheres de pêlo na venta e Transgéneros que não depilam o sovaquinho.

Eu, pelas razões expostas, não reúno condições morais para participar no cerco a Ponte de Lima. Aliás, lembrei-me agora do restaurante da Cinda na Correlhã onde ia comemorar com amigos o final de um torneio de ténis singular: a Taça Sarrabulho.

Jogava-se pouco e mal, mas comia-se muito e bem.

João Cerqueira

www.joaocerqueira.com