Mais velhos ou mais experientes?

Nem uma pessoa de cinquenta anos é velha, nem um indivíduo de setenta é um inválido. O que importa é haver bom senso e uma seleção criteriosa do trabalho a atribuir a cada um…

Na Unidade de Saúde Familiar da Ajuda, onde trabalhei até me reformar, eu era o elemento mais velho de toda a equipa. Tanto no setor médico como na enfermagem e na área administrativa, a diferença de idades era evidente e consequentemente a inevitável diferença de mentalidades. 

Sempre convivi bem com esta realidade; e devo acrescentar, por ser da mais elementar justiça, a consideração, o respeito e o carinho que todos me dispensaram enquanto estive ao serviço. De um modo geral, quase todos tinham idade para poderem ser meus filhos – e por isso eu era para eles ‘o senhor doutor’ e eles para mim ‘os meus meninos’. 

Contudo, a coordenadora da unidade, Dra. Susana Correia, já por mim citada noutro artigo (por ter sido a precursora de uma nova forma de trabalhar em equipa), quando eu lhe lembrava que era o mais velho na casa, ela contestava, com a serenidade e delicadeza que sempre demonstrou «Mais velho, não! Mais experiente». 

A sua conclusão, que não mais esqueci e não deixa de ser verdadeira, leva-me hoje a abordar este tema tão importante: a experiência dos mais velhos no mundo do trabalho. Na sociedade em que vivemos, acentua-se a tendência para se irem fechando as portas aos ‘velhos’ para se dar lugar aos ‘novos’, na pujança da vida.

No setor privado, ainda mais exigente na seleção, pessoas de cinquenta anos são consideradas velhas, entendendo-se que já pouco podem produzir. No setor público pode trabalhar-se até aos setenta anos ou mais, só que se está obrigado a cumprir as mesmas tarefas atribuídas aos jovens em início de carreira, o que não faz qualquer sentido. 

A verdade é que nem uma pessoa de cinquenta anos é velha, nem um indivíduo de setenta é um inválido. O que importa é haver bom senso e uma seleção criteriosa do trabalho a atribuir a cada um. 

A este respeito, ainda temos muito que aprender com a civilização oriental, onde o velho é intocável por ser o símbolo da sabedoria, da experiência, da cultura, alguém em que toda a sociedade se revê. Para a civilização ocidental, é o oposto. O velho é descartável, já não produz, não serve para nada.

Todos sabemos que, fisicamente, um velho não pode competir com um novo, pelas limitações próprias das respetivas idades. Uma velha glória do futebol de outros tempos jamais poderia jogar hoje na seleção nacional.

Mas, em contrapartida, estaria apto a transmitir a sua experiência e o seu saber aos mais jovens, se fosse aproveitado para exercer outras funções. Com este exemplo, podemos partir para outros, até chegar à minha área, a da Saúde. Não é aceitável pedir a um médico de sessenta anos o mesmo que se pede a um clínico no início da carreira; mas desperdiçar a sua experiência é igualmente uma falta de visão que ninguém entende. 

O Estado comporta-se assim: ou tudo ou nada, o meio-termo não existe. Se há tantas áreas onde um clínico mais antigo pode ser reintegrado com indiscutíveis vantagens para o serviço, qual a razão para insistir no mesmo erro de o pretender colocar ao nível dos jovens, quando já se sabe que ele não os pode acompanhar? 

Por outro lado, também não se pode esperar que um médico inexperiente tenha o mesmo ‘savoir faire’ de um colega de outra geração para resolver certas situações. É óbvio.

O melhor caso que posso aqui citar tem a ver com a pandemia que vivemos e que, pelos vistos, terá vindo para ficar. Não fez a Ordem dos Médicos um apelo aos reformados para se disponibilizarem no combate à covid-19? E a adesão não foi praticamente total?

Com certeza que não seria para os colocar nos cuidados intensivos, ao lado dos mais novos, com outra preparação física e conhecimentos técnicos mais atualizados; mas havia tarefas para todos e ninguém estaria a mais. E nas outras áreas da saúde não se passará o mesmo? Não haverá trabalho acumulado por fazer que podia ser atribuído a quem desejasse continuar ao serviço? Não haverá, por acaso, juntas médicas atrasadíssimas e pessoal ‘dispensado’ que podia ajudar a pô-las em dia?

Deixo estas reflexões e os meus pontos de vista apresentados numa outra perspetiva, agora que estou retirado e sou mais velho. Mais velho, não! Mais experiente.