Perder por não comparência

Gostamos de fazer valer os nossos direitos e, se acaso nos proibissem de votar, encetaríamos uma acerva luta para que nos devolvesse esse magnânimo bem precioso. Contudo, perto de metade dos eleitores, detentores plenos desse direito, escolhe não exercê-lo e dar toda a capacidade de decisão a outros.

por Sofia Aureliano

1. Quem não aparece é desistente. O habitual em qualquer competição é penalizar quem é convocado e não comparece com derrota por desistência. Que mensagem devemos tirar da recusa reiterada de Basílio Horta em debater com os restantes candidatos, discutir problemas e ideias, defender a sua ação política e apresentar o seu programa eleitoral? Para além de ser desrespeitoso com os pares igualmente candidatos e, acima de tudo, com os cidadãos, está a demonstrar duas coisas: primeiro, cobardia e medo de enfrentar confrontos democráticos que sabe que não está em condições de vencer e, depois, arrogância de achar que tem a vitória garantida, não sendo sequer necessário dar-se ao trabalho de sair do gabinete.

Como se não houvesse queixas relativas aos seus mandatos e os cidadãos residentes no concelho não fossem dignos de prestação de contas. Se Basílio Horta andasse nas ruas e falasse com as pessoas de quem tanto foge, saberia que não é assim. É grande o descontentamento com a habitação, os transportes, a segurança, a educação, o saneamento e a saúde nas várias freguesias. São muitos os relatos de insatisfação relativamente à resposta da autarquia aos problemas dos eleitores. A juntar-se a eles, vem agora a indisponibilidade total para dar a cara e debater. No mínimo, estamos perante um caso de excesso de soberba!

2. Do lado oposto da barricada. Contra Basílio Horta está Ricardo Baptista Leite, que representa, como tem demonstrado nos últimos meses, o contrário do candidato incumbente.

Sou demasiado nova nas andanças das ações de rua para poder fazer comparações sustentadas, mas diz-me quem lá anda há muitos anos que Baptista Leite é diferente e deixa marca, tal é a empatia unânime e o carinho com que as pessoas o recebem, invariavelmente de braços abertos, e se disponibilizam para partilhar com ele as inquietações e ansiedades. E têm sido muitas. Mas há caminho. Na verdade, é quase palpável a onda de esperança que Ricardo Baptista Leite deixa por onde passa, demonstrando aquilo que realmente é. Genuinamente boa pessoa, a que se soma uma inteligência astuta, uma postura combativa e dedicada e um savoir faire indelével. Baptista Leite será o candidato das pessoas, pelas pessoas e, se a maioria votar nele, os cidadãos poderão experimentar o real alcance da mudança. Médico de profissão, político honesto e abnegado, permanente defensor da causa pública, é um diplomata, angariador de consensos, mas sem deixar de responder ativamente aos desafios com decisões convictas e voz firme.

Está nas mãos dos cidadãos decidir que vale a pena ir às urnas. A esperança é que consigam ver a diferença, que resulta óbvia. A escolha é entre quem verdadeiramente se interessa e quem nem se dignou a aparecer.

3. Votar é um direito e um dever. Gostamos de fazer valer os nossos direitos e, se acaso nos proibissem de votar, encetaríamos uma acerva luta para que nos devolvesse esse magnânimo bem precioso. Contudo, perto de metade dos eleitores, detentores plenos desse direito, escolhe não exercê-lo e dar toda a capacidade de decisão a outros. Porque está sol. Porque “não se interessa por política”. Porque tem outras coisas para fazer. Porque sim.

Não. Na verdade, o que estão a fazer é a demitir-se do poder de escolher, de se  afirmar, de fazer com que a sua voz conte, tenha valor.

Imaginem as eleições como um carrossel daqueles comuns nas feiras populares, que circulam às voltas a fazer uma espécie de onda, ora em cima, ora em baixo. Há vários assentos possíveis: os estáveis animais como a girafa ou tigre que prometem uma viagem tranquila; as confortáveis e simples cadeiras viradas para a frente, que não permitem grandes observações periféricas; e as chávenas loucas que rodopiam ao sabor da força e vontade de quem lá circula (dependendo do condutor, podemos sair de lá mal dispostos!). Qualquer que seja a nossa opção de assento, temos a experiência ativa da viagem. Somos responsáveis pela nossa escolha e  podemos concluir se nos agradou ou se queremos mudar de lugar na próxima volta. Arriscar andar às voltas, sem cintos de segurança, ou acalmar, com opções de estabilidade e risco mínimo.

Mas o carrossel avança e nós fazemos parte da história.

Quem não entra, fica de fora. Não conhece os assentos, não tem a experiência da viagem, desperdiça uma e outra volta. Escolhe ser ausente. E como tal, perde a credibilidade para argumentar sobre factos como a falta de óleo da estrutura mecânica, a música que ambienta a viagem ou a velocidade da volta. Não anda, não conhece, desvaloriza-se, portanto, quando opina.

Esta demissão é grave. Traduz um reiterado desinteresse – é a análise imediata, à superfície – mas com consequências profundas. Se encararmos o voto como um dever, ao abster-nos estamos a incumprir, a falhar civicamente. E sempre que nos abstemos de escolher, estamos a reduzir-nos como cidadãos, privando-nos do um exercício de um direito. É a afirmação objetiva de que não atribuímos o valor devido à nossa opinião.

Faça chuva ou faça sol, o voto não é obrigatório, mas deve ser uma obrigação.

4. Costa primeiro-ministro vs. Costa líder partidário. São a mesma pessoa e, sem pejo nem pudores, António Costa já nem tenta separá-los. Quão descabido é dividir o Plano de Recuperação e Resiliência por rubricas municipais e andar a distribuir promessas pelo país, em contexto de campanha autárquica? O que neste momento se passa é já inqualificável, sem precedentes. Mas traduz o desespero de um líder que antecipa perdas consideráveis e prefere sucumbir à lógica  do “vale tudo”. Sem olhar a meios para atingir os fins, a ética ficou à porta.

Estradas, hospitais, escolas, transportes, pontes e muito dinheiro para distribuir é o que resume o programa de António Costa para o país. Pouco estratégico, nada ambicioso, muito instrumental e ardiloso. De uma coisa não podem acusar o líder do PS: ele disse ao que ia, manietou verbas nacionais, comprometeu-se com metas concretas e tornou público o caderno de encargos, com prazos e orçamentos. Agora cabe-nos a nós, cidadãos e eleitores, cobrar dividendos e pedir contas. E ser consequentes quando constatarmos que fomos vítimas de promessas ocas, enganos fatídicos e esquemas falaciosos.

Não tenho dúvidas de que é só uma questão de tempo. E de boa memória.

Tic tac. O relógio já está a contar.