“Nunca pararei. Para me pararem, terão de me matar”, diz Fonseca e Castro

Assegurando que não se deixa “condicionar pelo medo” e encarando a expulsão como “só um intervalo”, o ex-juiz prometeu continuar a lutar contra as regras impostas devido à pandemia.

Três dias depois de ter sido demitido pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM), o juiz anti-confinamento Rui Fonseca e Castro falou aos seguidores pela primeira vez, no domingo à noite, através de uma transmissão em direto na página de Facebook “Habeas Corpus”.

“Boa noite a todos. Isto é a minha primeira comunicação depois da decisão do CSM e, no fundo, é para dar uma palavra sobre isso e para explicar a minha postura em relação a isso”, começou por explicar o antigo juiz do Tribunal de Odemira após alguns minutos em que, como habitualmente, aguardou que os espetadores confirmassem se o áudio e imagem estavam a chegar com qualidade até eles.

“Como sabem, no passado dia 7, o CSM, reunido em plenário, decidiu pela minha demissão, algo que eu só fiquei a saber pela comunicação social e por pessoas que me vieram dizer e depois percebi até que o CSM tinha feito um espetáculo mediático ao estilo de Hollywood para informar a comunicação social da minha demissão”, avançou, referindo-se ao facto de Inês Ferreira Leite, vogal do órgão anteriormente mencionado, ter anunciado a sua expulsão num discurso, esclarecendo as três infrações cometidas pelo também advogado – inscrito tanto na Ordem portuguesa como na brasileira – que serviram de base para o veredicto final.

Estas prendem-se com os factos de se ter constatado que tem nove dias úteis consecutivas de faltas injustificadas e não comunicadas, ter proferido um despacho durante uma audiência de julgamento no qual emitiu instruções contrárias às medidas implementadas pela Direção-Geral da Saúde e ter veiculado vídeos nas redes sociais nos quais incentivou “à violação da lei e das regras sanitárias, bem como proferia afirmações difamatórias dirigidas a pessoas concretas e a conjuntos de pessoas”.

“Eu vou impugnar a decisão junto do Supremo Tribunal de Justiça” “Trata-se de uma decisão que, normalmente, não passaria no crivo de uma justiça independente – está viciada, tem vários vícios graves. Nós não temos essa justiça independente”, asseverou, envergando uma t-shirt preta com o logótipo da Habeas Corpus.

“Mas, de qualquer forma, como é natural, eu vou impugnar a decisão junto do Supremo Tribunal de Justiça presidido, como se sabe, pela mesma pessoa que preside ao CSM. Mas não é isso que interessa: o que interessa é que o trabalho vai continuar. ‘E que trabalho é esse?’, perguntar-me-ão”, esclarecendo que o mesmo terá por base duas vertentes distintas: a da ajuda e a da comunicação.

“A da ajuda, na área jurídica, sobretudo, visará a democratização do acesso ao direito e à justiça que, hoje em dia, não existe. Funciona apenas para os fracos que não têm meios económicos nem informação para puderem atuar de forma a fazerem valer os seus direitos”, lamentou o ex-magistrado que, desde março deste ano, quando dirigia a página, também de Facebook, do “Juristas Pela Verdade”.

No manifesto do movimento, disponível para leitura online, era possível ler que este se trata de “um grupo de juristas profundamente preocupado com os atropelos ao Estado de Direito democrático que vem constatando em Portugal desde o dia 30/04/2020 (…) ao ponto de estabelecer o que não passa de uma prisão domiciliária de cidadãos”, perspetiva que Fonseca e Castro continuou a ter apesar de se ter desvinculado do “Juristas Pela Verdade” para se dedicar exclusivamente ao mais recente projeto.

“Não se preocupem, isto é só um intervalo” “Como se sabe, no edifício da justiça só entra a elite que tem dominado este país e que o levou à ruína novamente agora. Uma ruína não apenas económica, também moral e isso tem sido evidente com os últimos desastres judiciais. Serve, por outro lado, para permitir a emancipação do indivíduo face a um Estado que é, na minha opinião, oligárquico, nepotista… Agora estão a falhar-me as outras… E pedófilo”, salientou, voltando a explorar este tema. “Essa emancipação do indivíduo face a um Estado que é profundamente corrupto e que não funciona é muito importante”.

“A outra dimensão da nossa ajuda é a da informação e serve para se alertar as pessoas relativamente a esse mesmo Estado. Isto para que um dia possamos ter uma mudança efetiva no país. Para que Portugal volte a ser de gente honesta e para que quem detém o poder cleptocrático, os responsáveis e criminosos, possam ser punidos”, rematou Fonseca e Castro – que sempre se opôs à utilização de equipamentos de proteção individual e ao confinamento no âmbito da pandemia de covid-19 –, aludindo à classe política.

“Essa punição, na minha opinião, terá de ser feita, um dia, no âmbito de uma justiça de transição, uma vez que as penas que temos hoje em dia são muito brandas e, portanto, a nossa atuação visa como objetivo final essa mudança”, declarou, acrescentando que para que essa mudança efetivamente se concretize, “é óbvio que, primeiro, é preciso que as pessoas queiram essa mudança”.

“Vamos ajudar as pessoas para haver essa emancipação e vamos informá-las para esse despertar”, adicionou, assegurando que tem por objetivo primordial auxiliar quem concordar com a sua visão, ainda que o futuro se afigure incerto. “Continuarei a fazer este trabalho, agora, na qualidade de advogado, tal como comecei em setembro do ano passado. E tal como, provavelmente, continuarei a fazer, no futuro, novamente na qualidade de juiz. Não se preocupem porque isto é apenas um intervalo”.

“O meu poder, se é que tenho algum, não advém de nenhum cargo, de nenhuma posição institucional de poder. O meu poder advém da verdade, da vontade de mudar o país e também do facto de não me deixar condicionar pelo medo. Não é a questão de não ter medo, toda a gente tem medo, mas é algo diferente entre ter medo e deixar-se condicionar pelo medo”, elucidou o juiz que tem vindo a convocar várias manifestações, entre elas, uma que se realizou na quinta-feira, onde passou, juntamente com os apoiantes, por lugares que considerou cruciais, como o Liceu Passos Manuel, acreditando que as crianças têm sido “torturadas” desde o surgimento do novo coronavírus.

“E eu nunca pararei. Para me pararem, terão de me matar. É algo que tenho dito há mais tempo. Portanto, é assim que se mantém. E este poder é acessível a qualquer pessoa, a qualquer um de vós e é preciso que as pessoas entendam. Isto não me é exclusivo: qualquer um tem esse poder, basta que queiramos”, continuou, apelando a que quem o estivesse a ouvir e ver não se vitimizasse. “Não somos vítimas: pelo contrário, estamos ao ataque. Recusem-se a ser vítimas. Até à próxima”.