"A história está a mexer com muita gente, mas começou por ser um mero desabafo meu. E, como tive de ficar com ele no internamento, fui contando as coisas tal como foram acontecendo", começa por explicar, em declarações ao Nascer do SOL, Marta Veloso, de 44 anos, que estava de baixa por padecer de uma anemia grave quando o filho de 12 anos chegou a casa, vindo do Agrupamento de Escolas Madeira Torres, em Torres Vedras, visivelmente perturbado e ferido.
"Tenho algum cansaço que já se manifesta ao nível de memória porque tem sido uma pressão muito grande, isto é, o facto de não saber se ele está bem. Tanto eu como o meu marido estamos muito em baixo. Penso que isto aconteceu na quarta-feira passada, pois apareceu com hematomas no braço e disse que tinha caído. No início, achei estranho – o choro compulsivo, magoado –, mas acreditei nele. Quando se manda um filho para uma escola, pensamos que estamos a mandá-lo para um sítio onde vai estar seguro, ser protegido, ser cuidado e não onde haverá uma situação de agressão de miúdos", avança, contrapondo que "uma coisa é uma queda e pode acontecer com qualquer criança e, mesmo assim, pediria esclarecimentos por falta de supervisão".
No entanto, esta não foi a primeira vez que Luís Santiago foi vítima de bullying por parte das crianças que frequentam o 2.º ciclo do Ensino Básico consigo. No ano letivo passado, viveu algo com contornos menos preocupantes, de acordo com a mãe, mas "ficaram chateados porque afetou o ranking das escolas".
"Estou-me nas tintas para o ranking porque só me interessa saber que aquelas crianças são vistas da mesma maneira", clarifica, adiantando que alguns alunos "desataram a atirar pedras da calçada" ao rapaz e restantes amigos, já no exterior da instituição de ensino. "Chamei logo a Escola Segura e, depois, apareceu ele a dizer 'Desculpa, mãe, tive de ir pôr os meus amigos a casa, tive medo de que levassem com mais pedras'", conta, reconhecendo a forma como o pequeno Luís relegou o seu bem-estar para segundo plano em prol daqueles que o acompanham diariamente.
"E, quando chegou a casa, fez tempo porque viu os miúdos à espera dele, por isso é que demorou tanto. A diretora disse que 'nesta escola, não há bullying e, se há, são coisas soft' quando conversei com ela. Para mim, o pior é a conivência que existe com estes miúdos. Ela queixa-se sempre dele. E eu digo que deve ser dos miúdos com maior coração que ela conhece. A coisa que ele mais gosta na vida é ter amigos. E, realmente, não tem tido muita sorte. Talvez por ser um bocadinho adulto para a idade que tem. Conheço o filho que tenho e nunca houve qualquer tipo de problema", afirma Marta com convicção, revelando que, quando informou a professora anteriormente referida de que "não tinha sido apenas uma queda", nesta quarta-feira, a mesma, talvez acidentalmente, deu a entender que já sabia daquilo que se tinha passado.
"Ela respondeu 'Mas não vemos ver as coisas assim. São capazes de se terem empurrado um ao outro'", recorda, explicitando que "temos um potencial criminoso – que lhe fez a rasteira – e outro que o agarrou, deram-lhe pontapés e sabe Deus mais o quê".
"Falamos muito em violência doméstica, mas não vemos o bullying como uma agressão. Para mim, aconteceram vários crimes graves. E, para além da postura incompreensível da professora, a contínua apenas deu-lhe um chá para se 'acalmar'", denuncia a progenitora que, primeiro, levou o filho ao Hospital de Torres Vedras, mas, posteriormente, o mesmo foi reencaminhado para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e ainda lá se encontra internado.
Contudo, o trabalho dos profissionais de saúde foi tudo menos facilitado, na medida em que Marta lhes dizia, em primeira instância, que Luís tinha caído e, portanto, ter-se-ia magoado sem a interferência de terceiros.
"Esta senhora está a instigar que ainda o gozem mais. É gordinho, é o maior da turma, é uma paz de alma e depois sofre assim. Fiquei indignada. Como é que a diretora de turma já sabia e não me contava? Só percebi isto na conversa de ontem. Disse mesmo que os médicos andavam loucos a tentar perceber como é que uma queda tinha provocado isto. Tinham de me contactar e dizer 'Olhe, afinal, parece que houve uma briga, era capaz de ter havido uma agressão'. Só queria dizer ao médico que os politraumatismos [lesão grave de, pelo menos, dois órgãos ou duas partes distintas do corpo] tinham sido provocados por uma agressão", lamentando que a criança tenha de ter sido submetida a uma broncoscopia, ou seja, um exame cujo objetivo passa por avaliar a traqueia, os brônquios e parte dos pulmões. "Fiquei horrorizada", confessa.
"Ele tem 12 anos e está no 5.º ano porque reprovou duas vezes. Faz parte do grupo daqueles que não gostam da escola, mas não é por isso que tem de ser agredido. Ele está no Hospital de Santa Maria a ser muito bem seguido, mas lembro-me sempre de que o desfecho poderia ter sido outro. Houve uma omissão de auxílio porque apenas lhe perguntaram se estava triste. Foram incapazes de perguntar aquilo que tinha acontecido", lastima Marta, que tem vindo a partilhar na rede social Instagram o seu quotidiano e o do filho, sendo apoiada por inúmeras figuras públicas.
Francisca de Magalhães Barros, cronista do Nascer do SOL e ativista dos direitos humanos, declara que "precisamos de muito mais formação nas escolas sobre este flagelo. Precisamos de dar um apoio muito mais considerável às vítimas, sendo que as crianças que praticam estas atitudes necessitam de acompanhamento devido, no entanto, é preciso que exista uma responsabilização. Até porque as crianças que não são de todo bullies, para não serem mal tratadas, por vezes cedem à pressão de se juntarem aos mesmos", conta, acrescentando que recebe desabafos "de encarregados de educação de crianças que vão parar ao hospital quando estão sob a responsabilidade da escola por serem alvo de agressões. Em 2021, não é aceitável! A Marta e o Luís Santiago são extremamente fortes para estarem a lidar com uma situação desta gravidade".
"A professora da disciplina que ele teve depois de ser agredido manteve-se serena e disse só 'Vê lá, se quiseres podes ir apanhar ar'. O caso do Luís Santiago tem de ser visto como um exemplo daquilo que pode acontecer e não quero que outras crianças e outros pais passem por isto", remata Marta, exigindo que "haja uma responsabilização por parte de alguém a partir do momento em que deixamos os miúdos nas escolas".
Neste momento, apesar de estar estável, Luís não pode ir à casa de banho nem levantar-se da cama "porque o ar pode explicar-se para o resto do corpo". A mulher refere-se a um enfisema subcutâneo, uma acumulação de gases ou ar nos tecidos subcutâneos, produzindo protuberâncias, como nódulos móveis que geram sons crepitantes. "Tenho várias pessoas a dizer 'Muda-o de escola', mas nós moramos ao pé da mesma. É como na violência doméstica: porque é que as mulheres é que saem de casa?".