Natal é quando o homem quiser

Eis-nos de novo à beira do Natal, em fila para a terceira dose. 

Quase dois anos depois do surgimento da pandemia, já quase nos habituámos a ela. No início, era o pavor do contágio e da morte, mais a estranheza do distanciamento físico, a atrapalhação do uso da máscara e a desinfeção das mãos. O primeiro confinamento foi vivido com medo e em silêncio, as cidades paravam e vimos nos media fotos de animais a invadirem ruas e jardins. Em 2020, vivemos a primeira Páscoa afastados, a que se seguiu um verão mais distendido, chegado porém o outono, escalaram os casos. 

Tivemos o primeiro Natal pandémico, cada um de nós na solidão intrínseca do ser humano quando tem de encarar a possível finitude. Solidão feita comunhão inesperada quando um dirigente público nos lembrava que o natal poderia ser a troca de compotas no vão das escadas e que o nascimento de Jesus não tinha forçosamente de ser celebrado a 25 de Dezembro e poderia bem ser noutra data qualquer…o Zé povinho, aquele que Bordallo imortalizou de braços cruzados, teve o seu momento de breve chiste. 

Quando em janeiro de 2021 chegou o segundo confinamento, milhões de portugueses trabalhadores já se tinham acostumado ao teletrabalho, se bem que outros tantos tinham de ir trabalhar presencialmente, deslocando-se em transportes públicos apinhados em hora de ponta, ao mesmo tempo que muitos outros ficavam sem trabalho. Por essa altura, decorrido um ano de pandemia, já se percebia que esta era profundamente desigual. Apesar das promessas do Governo de compensar empresas e famílias, e dos esforços que foram feitos, nada se conseguiu substituir a setores praticamente dizimados como a cultura e o turismo.

Os portugueses mantiveram a compostura e o sentido cívico, ficaram rendidos à liderança do vice-almirante Gouveia e Melo que em boa hora substituiu os imprestáveis boys do Governo. Alegraram-se com as vacinas e habituados a décadas de plano de vacinação, corresponderam à chamada. Uma dose, duas doses, o verão a aliviar, o turismo nacional a dar sinais de retoma. 

Eis-nos de novo à beira do Natal, em fila para a terceira dose. A ministra da Saúde, em jeito de aviso, admoestou os médicos para serem resilientes que é como quem diz ‘aguentem’. Esta semana já sabemos que vamos ter ‘contenção’ que é um confinamento soft. Os portugueses acreditam na ciência, nas vacinas, adaptaram-se, acostumaram-se, já se percebeu que Natal e fim de ano vão ser pífios. Habituámo-nos aos testes, aqueles que podem voltam ao teletrabalho, os setores mais prejudicados já se fazem ouvir: a desigualdade e a injustiça entre setores continuam. 

Por ser Natal, abro um breve parêntesis para citar a minha avó Fernanda já falecida: «Não nos mande Deus tudo o que podemos aguentar». Isto não é uma guerra nem uma ditadura e a fatalidade portuguesa ajuda a acomodar estas situações… 

Feliz natal!