A miríade de equívocos na defesa

Por José Manuel Neto Simões Capitão-de-fragata (Reforma) A relação entre o Presidente da Republica (PR) e o Governo continua a ser dominada por uma sucessão de equívocos por explicar num labirinto de desinformação, em especial, nas Forças Armadas (FA). Ao tentar clarificar as incompreensíveis falhas de comunicação, os intervenientes têm revelado, insistentemente, falta de ponderação…

Por José Manuel Neto Simões
Capitão-de-fragata (Reforma)

A relação entre o Presidente da Republica (PR) e o Governo continua a ser dominada por uma sucessão de equívocos por explicar num labirinto de desinformação, em especial, nas Forças Armadas (FA). Ao tentar clarificar as incompreensíveis falhas de comunicação, os intervenientes têm revelado, insistentemente, falta de ponderação e erros de avaliação sistemáticos.

Com efeito, o ministro da defesa (MDN) não agiu com lucidez ao não comunicar ao PR e ao primeiro-ministro (PM), quando tomou conhecimento da denúncia do envolvimento de militares em actos ilícitos criminais, na missão da ONU na República Centro-Africana (RCA), que deram origem à operação Miríade.

Sejamos claros sobre o nível a que devemos situar a informação ao PR. É no âmbito político e não se deve colocar no campo jurídico, pois ao desvirtuar as premissas o assunto está a ser mistificado. A actuação do MDN não deve assim ser considerada com base em ‘orientação jurídica clara’ (MDN). É um subterfugio!

Ao PR que é Comandante Supremo das FA – representante máximo de Portugal no mundo – não é dada informação sensível, que é obrigatoriamente comunicada à ONU. Primeiro era a justificação do segredo de justiça, depois passou a ser o erro de avaliação da dimensão. Certo é que o Almirante Chefe do Estado-Maior das FA (CEMGFA) recebeu a informação e terá errado na avaliação da situação.

A separação de poderes não significa, portanto, que o PR e o PM – obrigados a preservar o segredo de justiça – sejam mantidos na absoluta ignorância sobre as denúncias de má conduta imputáveis a militares portugueses. A forma inusitada como o Chefe de Estado aceitou não ter sido informado face a ‘pareceres jurídicos’ desmentidos pelo MDN revela o seu incómodo. Inaceitável mistificação!

Convém sinalizar que neste caso de suspeita de crime organizado, estão envolvidos não apenas militares (comandos) e ex-militares, como também elementos da PSP e GNR, advogados, funcionários bancários e empresas. O seu impacto não pode, por isso, ser desvalorizado, pois a gravidade assume ainda maior dimensão, refletindo, em certa medida, os problemas transversais e multidimensionais da sociedade.

Por outro lado, é justamente pelo facto das FA contribuírem para o prestígio de Portugal, que o envolvimento de militares em actividades ilícitas, numa missão no estrangeiro, tem inevitáveis consequências com danos reputacionais para o País e suas FA. Porém, o PR, o MNE, o MDN e CEMGFA teimam em desvalorizar aquilo que é uma evidência. Incompreensível desafio à racionalidade!

Acresce ainda que nos últimos anos sucedem-se os escândalos que são também o reflexo do processo contínuo de degradação das FA com sucessivos alertas das chefias militares e Associações (oficiais e sargentos), tendo a tutela revelado sempre uma grande sobranceria. Os graves problemas das FA afectam a prontidão e a condição militar – essência da organização -, pela inexistência de uma política de Defesa credível e ajustada aos interesses nacionais. 

A actuação do MDN – nunca esteve ‘confortável no cargo’ ao contrário do que afirma- fica marcada pela falta de visão, governamentalização da Instituição com medidas incautas e decisões com arrogância que são disruptivas na sua identidade e coesão. Ou seja, delimitada pela inépcia de um ministro!

A antiga fábula sobre os filósofos cegos que inventaram diferentes descrições para um elefante, revela que a credibilidade das instituições e do País pode mudar dependendo da perspectiva. As envolventes das diversas trapalhadas em que tem estado envolvido o MDN e outros ministros são exemplo disso. Têm todas um padrão comum relacionado com a inabilidade política, a sobranceria e deficiente comunicação provocando atritos e conflitos institucionais.

Ainda não foi enfatizado, que os crimes em investigação acontecem num momento de extrema tensão entre as autoridades de Bangui e a missão da ONU, que a presença Russa e os interesses económicos da China vieram agravar. A pressão, em curso, pode mesmo levar à saída do contingente português da RCA. 

Não deixa também de ser preocupante o facto de só após a denúncia dos crimes tenham sido reforçadas as medidas de segurança, quando já tinha ficado evidente o laxismo no caso de Tancos. E devia ser questionado quais as medidas que foram tomadas depois de um antigo secretário-geral dos serviços de informações, ter considerado ‘especialmente preocupante’ o risco de infiltração de grupos de actividade criminal em ‘estruturas estatais’ (audição sobre o caso de Tancos).

A falta de coordenação e comunicação entre órgãos do poder político evidencia um País à deriva com um Governo desgastado e ministros fragilizados em que aquilo que dizem é desmentido pela realidade.

Assiste-se com estupefação ao exercício político degradado com base no improviso com uma miríade de equívocos em que o Governo tem revelado como padrão o mimetismo, quando se trata de assumir responsabilidades, num inesgotável arsenal de tergiversação. E persiste uma zona cinzenta sem liderança aceite e mobilizadora.