Pam and Tommy: A maior história de amor alguma vez roubada

A série Pam & Tommy, que estreia no dia 2 de fevereiro na Disney+, aborda a mirabolante história de como um eletricista roubou a sextape de Pamela Anderson e Tommy Lee e mudou para sempre o significado de ser celebridade.

Pam & Tommy não é a típica história de amor que estamos habituados a ver na Disney, cujo serviço de streaming vai acolher esta série. Ao lado de histórias românticas como é o caso de Cinderela ou Branca de Neve, de príncipes e princesas imaculados, vamos poder assistir a um dos mais controversos casais que, para mal dos seus pecados, encheram manchetes de revistas cor-de-rosa e as bocas da opinião pública depois de lhes roubarem uma sextape, ou seja, uma cassete com a sua intimidade exposta. 

Antes de serem “protagonistas” da trama desta série, que irá estrear na plataforma, através da marca Star, no dia 2 de fevereiro, Pamela Anderson e Tommy Lee foram protagonistas de um dos casamentos mais mediáticos dos anos 1990.

Anderson era uma das maiores estrelas dos Estados Unidos, apesar de ter nascido no Canadá, protagonista de uma das mais icónicas capas da revista Playboy e, através do seu papel de C.J. Parker na série Marés Vivas, vestida com o fato de banho vermelho e a correr numa praia de Los Angeles, tornou-se num sex symbol que ainda hoje é imitado e celebrado, basta recordar o remake de 2017, e a sucessiva campanha publicitária que levou estes fatos de banho a inúmeras lojas de roupa.

Lee foi o baterista dos Motley Crue, banda de glam metal que, no seu auge, durante os anos 1980, representava toda a devassidão do lema “sexo, drogas e rock and roll” e que conduziu à implosão deste estilo. Reza a lenda que o baterista e o baixista do grupo, Nikki Sixx, fizeram um pacto em que nenhum tomaria banho, mas continuariam a praticar relações sexuais com as fãs, algo que só chegou ao fim quando, alegadamente, uma fã terá vomitado nos genitais de Sixx enojada com o cheiro (algo que, supostamente, terá inspirado o título do disco The Spaghetti Incident dos Guns ‘n Roses).

Juntar estas duas conturbadas personalidades num casamento, em dezembro de 1994, que aconteceu quatro dias depois de se terem conhecido, numa praia em Cancun, com Anderson a envergar um biquíni nupcial, era como juntar fogo e gasolina, mas para paparazzi, tabloides e uns eletricistas frustrados foi uma mina de ouro.

 

“A maior história de amor alguma vez vendida”

O foco da série, protagonizada por Sebastian Stan (Capitão América e o Soldado do Inverno, Eu, Tonya) e Lily James (Cinderela e Baby Driver), respetivamente, nos papéis de Lee e Anderson, incide sobre o vídeo sexual caseiro gravado durante a lua de mel do casal e a sua divulgação a público.

Inspirada pelo artigo da Rolling Stone, Pam and Tommy: The Untold Story of the World’s Most Infamous Sex Tape, Amanda Chicago Lewis, a série do realizador Craig Gillespie (Eu, Tonya) relata os acontecimentos de 1995, quando um eletricista, Rand Gauthier (Seth Rogen, que também ocupa o cargo de produtor executivo), que estava a montar circuitos na mansão de Malibu de Lee, foi despedido abruptamente pelo baterista, assim como o resto da sua equipa.

A história de Gauthier podia ser uma série por si só. O seu pai, Richard Gautier, era um ator famoso que entrou em séries televisivas como a série original de Get Smart e Robin Hood. Este relata que uma vez ia acompanhar o seu pai, que chegou a receber prémios por ser dos atores mais bem vestidos da indústria, a um jantar formal, mas depois de lhe dizer que se tinha esquecido dos sapatos em casa da mãe (os pais estavam divorciados) este obrigou-o a jantar, entre a elite de Hollywood, de chinelos.

Apesar de não ter tido o mesmo sucesso que o pai, este também chegou a entrar em filmes, mas na indústria pornográfica, tendo, na sua curta carreira, protagonizado cerca de 75 filmes, entre os quais Big Boob Bikini Bash (1995), Miracle on 69th Street (1992) e Willie Wankers and the Fun Factory (1994).

Mas voltando a Pam e a Tommy… Apesar do eletricista estar descontente com a situação, este estava farto de aturar o ego das celebridades, ao ponto de ignorar os 20 mil dólares que o casal lhe devia e esquecer o assunto, dirigindo-se à mansão com um colega para ir buscar as suas ferramentas quando foi confrontado pela rockstar com uma caçadeira na mão enquanto lhe gritava “desaparece da minha propriedade”.

Este confronto, apesar de não ter culminado em violência, deixou o eletricista traumatizado e com sede de vingança. “Nunca fui muito popular com outras pessoas”, disse à Rolling Stone, em 2014. “Mas nunca me tinham apontado uma arma. Isso mexeu com a minha cabeça”.

“Ele queria vingança. Queria que o baterista se sentisse vulnerável, percebesse que era apenas um ser humano, não um deus do rock invencível, mesmo que tivesse vendido 20 milhões de discos com 32 anos”, escreveu Lewis. “Então Gauthier decidiu roubar o cofre gigante, que ele sabia que estava guardado na garagem, onde estavam todas as armas de Lee e as joias de Anderson, e rir às custas deles”.

A preparação para o crime durou cerca de um ano e culminou com o eletricista a colocar um tapete de iaque nas costas, para imitar o cão do casal, e a rastejar pelo relvado até entrar na mansão.

Gauthier roubou o cofre, levou-o para um local seguro, onde passou mais de uma hora a tentar abri-lo e, no meio de armas, joias, relógios, o biquíni branco que Pamela usou no casamento do casal, o eletricista acabou por descobrir algo mais: a cassete com o vídeo íntimo.

Juntamente com o realizador de pornografia, Milton Ingley (também conhecido como Uncle Miltie e interpretado por Nick Offerman), Gauthier ajudava a reparar material no seu estúdio, os dois decidiram que iam aproveitar esta cassete para fazer algum lucro.

Os dois tentaram negociar a cassete com vários estúdios pornográficos, mas, uma vez que esta tinha sido roubada, acabaram por tentar negociar com o filho de um capo da família de mafiosos, os Colombo, que, em 1972, estiveram ligados à produção de Deep Throat. Contudo, nem estes se queriam envolver na distribuição deste material, por isso, em vez de ajudar de forma oficial Ingley e Gauthier, deram-lhes 50 mil dólares para criarem cópias e tratar da distribuição através da internet.

Numa fase altamente primitiva da internet, estes sites continham apenas a instrução para enviarem dinheiro de forma a enviar uma VHS com o vídeo. 

Em dois anos, o vídeo tornou-se altamente divulgado, com Ingley e Gauthier a lucrar mais de 77 milhões de dólares em menos de um ano, enquanto outros se aproveitavam para criarem sites e cópias piratas do vídeo. 

No entanto, Gaultier confessa que não conseguiu lucrar nada com a “sextape”, acusando Ingley, que morreu em 2006, de o ter “trapaceado” e, atualmente vive novamente de trabalhos como eletricista.

 

“Pioneiros”

Um dos focos desta nova série é olhar para estes acontecimentos através de uma lente mais contemporânea e focar no assédio e represálias que Pamela sofreu após a divulgação da cassete, mas também na forma preocupante como é divulgado conteúdo privado que é consumido por milhões de pessoas através da internet.

“Em termos de sexo, o colapso causado pela era da internet não é tanto pelo direito a ser esquecido (como surge na lei da União Europeia), mas de um consenso partilhado sobre o que realmente é a decência sexual, quem pode ter isso, quem tem permissão para assistir, quem é explorado por isso, quem está a ter prazer, escreve o Guardian. “É realmente incrível quantos anos se passaram sem nos aproximarmos de uma nova resolução”.

Apesar de considerar isto “um problema de primeiro mundo”, Zoe Willams, autora do artigo defende que “houve uma crise genuína” nos anos após a divulgação deste vídeo sobre qual é o valor da celebridade.

“Se não podes controlar o teu próprio conteúdo, nem monetizar [o casal afirma que nunca lucrou com a venda do seu vídeo], então o que é isto que estamos a ver? Anos mais tarde, com os casos de Paris Hilton e Kim Kardashian, usemos isto como um experimento mental. Elas não divulgaram pessoalmente as suas fitas e ameaçaram usar ações judiciais para impedir a distribuição, mas ambas acabaram por lucrar com a notoriedade, entendendo que as regras haviam mudado permanentemente”, explica Williams. “Se não possuis o conteúdo, mas ainda possuis a identidade, é necessário inverter a equação: em vez de proteger a sua privacidade, é necessário partilhar tudo”, problematiza a jornalista.

O casal era uma das maiores “atrações” dos tablóides, com cada foto dos dois a valer fortunas, portanto, depois da divulgação do vídeo, estes conseguiram a proeza de recolher ainda mais atenção mediática. 

Pamela, que admitiu em diversas entrevistas que nunca viu o vídeo, tornou-se um alvo fácil nos média, já Tommy, enquanto Gauthier imaginou que iria destruir a sua vida, acabou por cimentar o seu legado “deixando o mundo saber que ele tinha uma das maiores pilas do mundo do rock and roll”, escreve a Rolling Stone. 

“Aquilo que o vídeo sexual de Pamela Anderson e de Tommy Lee nos ensinou é que um indivíduo despretensioso pode adquirir um conteúdo, oferecê-lo à Internet e vê-lo chegar a todos os cantos do planeta”, escreveu Lewis. “A forma como este vídeo viajou de um cofre trancado para telas e prateleiras de lojas de todo o mundo foi um alerta sobre tudo o que estava para vir nas próximas duas décadas, tudo o que iria mudar na tecnologia, cultura e no estatuto de celebridade. Antes da Kim Kardashian, antes do TMZ, antes do RedTube, antes do Fappening, havia Pam e Tommy”, alertou a jornalista.