“Um menino amarrado com um lençol?” O pesadelo das crianças numa creche brasileira

Imagens de bebés vítimas de maus-tratos numa creche brasileira têm circulado nas redes sociais e horrorizado os utilizadores. O jornal falou com L., mãe de uma menina que frequentou a Colmeia Mágica há sete anos.

“Valentina estudava em uma escola particular, e desde que entrou sempre reportou maus-tratos, dizia que a colocavam de castigo em uma sala escura e sozinha, no chão, que até dormia nesse chão sem colchão ou cobertor. Dizia também que não a deixavam fazer cocó. Muitas vezes ela chegava em casa correndo pro banheiro, dizia também que se não comesse toda a comida ela não podia participar das brincadeiras com os amigos e ficaria na sala sozinha”, começou por denunciar a maquilhadora Thaiza, @thaiza_osmakeup no Instagram, na segunda-feira, narrando aquilo que a filha Valentina viveu na Escola de Educação Infantil Colmeia Mágica.

“Sempre que eu reportava, a diretora dizia que Tina mentia demais, pra mim corrigir isso nela pois lá não era uma escola pública e nem lidando com favelados!!!!! Desde então eu encanei que minha filha não era uma mentirosa e já comecei a correr atrás para tirar de lá. Minha filha com só 3 anos me reportava tudo que sofria, eu mandava lanche pra ela e quem comia era as ‘tias’ e ela ficava com fome! Fui e novamente briguei com a diretora e vice-diretora”, sublinhou na publicação que, até por volta das 19h de ontem, havia obtido mais de 180 mil ‘likes’.

“Meu irmão também estuda lá e reportava maus tratos, mas foi ameaçado e logo parou de falar. Valentina quando ia comer tinha medo de que eu chamasse a tia da escola, ela tinha pesadelos com a escola, se falasse de pôr em pensamento então? Ela entrava em crise”, acrescentou. Pois bem, tirei ela da escola em janeiro desse ano, e agora em março, uma funcionária da escola expôs todos os vídeos e relatos de maus tratos. Bebés que comiam no banheiro amarrados, criança que ia pro castigo e dormia no chão o dia inteiro sozinho! Minha filha não estava mentindo”.

De seguida, a mulher partilhou o testemunho de uma educadora de infância que deparou com um menino amarrado com um lençol, tendo estado fechado dentro de uma casa de banho. Posteriormente, uma das educadoras terá tapado a cara do menino com um cobertor. “E ela gritou comigo dizendo ‘Deixa ele aqui, não mexe nele’”, contou a fonte, avançando que, minutos depois, “não dava para ouvir mais choros, nem nada” e o bebé “estava tão mole que não segurava a cabeça, estava caindo para a frente e para trás”.

“Olha só, caindo de sono”, terá dito a suposta agressora, sendo que a profissional que conversou com Thaiza terá decidido dar água ao bebé. “O bichinho tomou 3 mamadeiras de água”. Mas as histórias divulgadas online multiplicam-se e entende-se facilmente que a Colmeia Mágica é, na verdade, uma instituição tudo menos mágica. Tanto que, por aquilo que o i conseguiu apurar junto de uma encarregada de educação, que não quis ser identificada por temer represálias e, por isso, será identificada doravante como L., “a diretora jogava água gelada na cara das crianças que estavam com sono e mandava-as acordar para a vida”, expressão que também Valentina, a menina cujo caso foi anteriormente narrado, usava na presença da mãe.

“Minha filha frequentou a escola faz sete anos e sofreu muito. Agora, que já está mais consciente e viu as imagens que estão circulando, me diz que acredita que aqueles nenéns estão passando pelo mesmo que ela ou ainda algo mais grave. E que a maior culpada é a diretora”, aponta, referindo-se a Roberta Regina Rossi Serme, de 40 anos, que dirige a instituição que tem a seu cargo crianças até aos seis anos de idade.

Rossi Serme “foi ouvida na semana passada pela Central Especializada de Repressão a Crimes e Ocorrências Diversas (Cerco) da 8ª Delegacia Seccional. Além de maus-tratos, a polícia apura os crimes de periclitação de vida, que é colocar a vida e saúde das crianças em risco, submissão de crianças a vexame ou constrangimento e tortura”.

 

Tortura que se arrasta no tempo Heloísa Vitória Teodoro tinha pouco mais de três meses de vida, a 7 de maio de 2010, quando parou de respirar no berçário da Colmeia Mágica. Por aquilo que se sabe, naquele dia, a diretora da escola terá socorrido a menina, levando-a de carro até ao Hospital São Luiz, em Tatuapé, onde o óbito da criança viria a ser confirmado. Até porque já chegara morta ao local.

Segundo o 30.º Distrito Policial (DP), no Tatuapé, o caso foi registado como “morte suspeita”. L teve a oportunidade de conversar com a progenitora de Heloísa, Isabel Cristina Gardão da Silva, atualmente com 36 anos, que lhe explicou que por meio da autópsia foi apurado que a bebé havia perdido a vida por “asfixia mecânica por agente físico”. “Ainda de acordo com a mãe de Heloísa, mesmo diante da suspeita de que a menina teria sido asfixiada, a polícia não investigou isso. E decidiu arquivar o inquérito que apurava a morte dela”, afirmou em declarações ao órgão de informação brasileiro, declarando que, há 12 anos, os polícias lhe disseram que o caso fora arquivado “por falta de provas”.

Porém, “nesta semana, foi ouvida pela Central Especializada de Repressão a Crimes e Ocorrências Diversas (Cerco) da 8ª Delegacia Seccional no inquérito que apura as responsabilidades da Colmeia Mágica pelos vídeos que mostram pelo menos quatro crianças chorando enquanto estão amarradas, com os braços presos por panos, como se estivessem enroladas e imobilizadas por ‘camisas de força’”, sendo que a mãe “contou que pediu para a polícia reabrir o caso para apurar também as causas e eventuais responsabilidades pela morte de Heloísa depois de ter visto os vídeos”.

“Através do Facebook, consegui falar com algumas tias [educadoras de infância], que cuidaram da minha filha, que me informaram que as crianças passavam o dia todo de castigo na sala dela [da diretora]”, corrobora L., adicionando que “as crianças que estavam fazendo desfralde ficavam trancadas no banheiro por horas” e, como algumas das educadoras ainda permanecem no mesmo emprego, certamente não será difícil as autoridades confirmarem que esta tortura se tem prolongado durante anos sem que uma investigação profunda seja desenvolvida. “A Colmeia Mágica tem de fechar ou a direção tem de mudar. Ninguém consegue deixar lá seus filhos e ficar tranquilo”.

“Na semana passada a Justiça autorizou a polícia a cumprir um mandado de busca e apreensão na escolinha. Policiais recolheram sete lençóis e três celulares. Os aparelhos são de Roberta, da filha dela e da irmã da diretora. Os objetos serão periciados”. “Peritos querem saber se os panos são os mesmos que aparecem nos vídeos que, de acordo com a polícia, foram gravados dentro da Colmeia Mágica e mostram as crianças amarradas. Alguns pais ouvidos pela investigação identificaram seus filhos nos vídeos e disseram que eles e as crianças estão traumatizados”.

Quando o escândalo foi dado a conhecer, no início da semana, imagens dos portões da Colmeia Mágica foram pintados com tinta escura e apresentavam mensagens como “crime”, “neonasistas [sic]”, “desumano”, “mals-tratos [sic]”, “Justiça”, “lixo”, “demónio”, “Deus ta vendo [sic]”, sendo que alguns encarregados de educação foram vistos a protestar em frente à entrada da instituição de ensino com cartazes e camisolas com expressões como “Tortura nunca mais!” ou “Justiça Para Nossos Bebés!” inscritas nos mesmos.