O que eram os gulags?

 Eu nem consigo imaginar o que seja passar a vida toda a pensar nas centenas de padres que ficaram no seu país a sofrer as pressões políticas de um regime opressor. 

Muitos ficaram perplexos com a posição do Partido Comunista Português a propósito do discurso do Presidente ucraniano no Parlamento, mas para quem não sabe o que é um gulag, também é provável que não saiba o que é um nazi!

Há mais de quinze anos, durante o Congresso Internacional para a Nova Evangelização, em Budapeste, na Hungria, ouvi uma conferência de três padres sobre a sua vida debaixo do regime comunista soviético. O essencial dessa conferência deve estar publicado no jornal em que era, então, diretor. Lembro-me de estar no centro de imprensa, na cave de uma igreja perto da catedral, a escrever esse artigo.

Era a vida de três homens que viram a sua vida dar uma volta incrível. Um desses padres, penso que era jesuíta, tinha fugido da perseguição comunista. Numa noite, escondeu-se num comboio, num compartimento discreto, onde sabiam com toda a segurança que não haveria qualquer inspeção. Estava junto à fronteira e do outro lado alguns irmãos da sua comunidade o esperavam. Fugia da perseguição, do país que o viu nasceu. 

Saiu da Hungria e foi para o Japão onde viveu a vida toda. Nas suas palavras estava o penso de quem viveu com o peso de ter fugido do seu próprio povo. Eu nem consigo imaginar o que seja passar a vida toda a pensar nas centenas de padres que ficaram no seu país a sofrer as pressões políticas de um regime opressor. 

Um segundo padre não tinha aguentado a pressão do regime comunista e tornou-se colaboracionista. Passou a dar informações sobre a vida da Igreja aos Serviços Secretos. O Governo exerceu uma pressão de tal forma pesada sobre os seus ombros que não tinha aguentado. A perseguição era mais do que muita. O medo dominava-o!

O terceiro padre, penso até que era o mais velho, contava as histórias da sua vida na prisão – num gulag! Era impressionante. Tinha acabado de ser ordenado padre e o Governo não lhe perdoou a sua ousadia. Submeteu-o a trabalhos forçados durante anos.

Lembro-me, ainda hoje, de muitas das histórias que contou. Ele estava encarregue de limpar as prisões e durante dias a fio lhe vinha ao pensamento o sentido da sua vocação: Porquê ser padre? Para quê? Porque o tinha Deus escolhido para ser padre para agora estar numa prisão, sem liberdade, sem poder anunciar o evangelho e celebrar os sacramentos. 

Começou, aos poucos, a perceber que a sua missão era, de facto, assistir espiritualmente os presos que lhe confidenciavam a suas angústias. Era proibido falar de religião ou fazer qualquer ato religioso. Então, aos que estava no corredor da morte, confessava-os, enquanto esfregava o chão do corredor e cantava a fórmula da absolvição. Como era proibido dizer a fórmula da absolvição, resolveu o problema: enquanto dizia as palavras da absolvição em latim cantava músicas tradicionais húngaras para que os guardas não se apercebessem do que estava realmente a fazer.

A história da eucaristia também era interessante. Passou tempos infindos sem poder celebrar a eucaristia. Um dia foi preso outro padre e foi ter ao seu gulag que lhe disse que o Papa tinha concedido, in extremis, a possibilidade de se celebrar a eucaristia com sumo de uva. Faltava, no entanto, o pão ázimo. Como conseguir um pão ázimo? Havia também na prisão alguns judeus e, por isso, pediu-lhes que pedissem na Sinagoga de Moscovo que enviassem um pão ázimo para si também. 

Uma noite, trancado na sua camarata, celebrou a eucaristia. Sem paramentos. Sem ouro. Sem prata. Só com o essencial: o sumo de uva e o pão ázimo. Sabia a missa de memória. Os outros presos, nos seus beliches assistiram às escuras àquele momento sagrado de um Deus que desce à terra.

O padre que tinha fugido e aquele que tinha colaborado tinham um natural peso no coração. Este outro, no entanto, encarava as coisas com a mesma fé: foi Deus que esteve por detrás de cada um deles.