Migrantes em situação irregular trabalhavam em Serpa “sem receber o que lhes era devido”

Apesar de ainda não ter sido mencionada qualquer relação entre a suposta escravatura denunciada pelo i, há duas semanas, a investigação que o SEF levou a cabo, muitos das situações relatadas são semelhantes.

Volvidos dezasseis dias da denúncia do i, que dizia respeito à alegada escravatura de 200 moldavos em Serpa, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) anunciou que, no âmbito de uma investigação criminal, que terá sido realizada no ano passado, "foram, agora, acusados dos crimes de auxílio à imigração ilegal, tráfico de pessoas e associação criminosa cinco cidadãos (dois dos quais já com nacionalidade portuguesa) e uma pessoa coletiva, que tinha como objeto social a realização de atividades e serviços relacionados com a agricultura e produção animal".

"Neste processo foram investigados factos relacionados com a alegada atividade de exploração laboral de trabalhadores estrangeiros irregulares em território nacional, com a utilização de empresas de fachada, os quais eram colocados a trabalhar em tarefas agrícolas na zona de Serpa, e sem receber o que lhes era devido", lê-se no comunicado enviado aos órgãos de informação, sendo importante lembrar que, há cerca de duas semanas, Andrei (nome fictício), que se encontra na casa dos 20 anos e está há mais de uma década em Portugal, contou ao i que "era prometido um trabalho e salário às pessoas, vinham para cá e depois, quando chegavam, ficavam todas numa casa e recebiam muito pouco. Quase não conseguiam ter dinheiro para voltar para casa”. "Iam trabalhando e quem recebia o dinheiro era um senhor que só lhes entregava parte e ficava com o resto”, acrescentou.

À época, Andrei avançou que havia falado com a avó de uma amiga que lhe havia dito que conversara com um dos migrantes que se encontrariam nesta situação. O estudante universitário explicou que, quando questionado acerca do motivo pelo qual continuava a trabalhar assim, o migrante moldavo justificou que o patrão não lhe dava dinheiro porque o retinha e descontava para a Segurança Social para garantir a cidadania europeia”, adicionou, rematando que “parece ser este o modus operandi da rede”.

Apesar de ainda não ter sido mencionada qualquer relação entre a escravatura denunciada pelo i e a investigação que o SEF levou a cabo, sabe-se que "estes cidadãos eram alegadamente sujeitos a trabalhos agrícolas pesados, várias horas por dia, à revelia da legislação laboral, passando fome e frio. Os arguidos, agora acusados, alegadamente recorriam a ameaças e assumiam posturas agressivas de forma a manterem a sua autoridade", correspondendo estas atitudes e estes atos àqueles que Andrei deu a conhecer. "O modus operandi apurado passava, também, pelo arrendamento de casas, em regra degradadas, onde colocavam as pessoas que viessem a trabalhar para si, sem condições sanitárias e de higiene" é mais uma informação que vai ao encontro do cenário relatado pelo i.

O SEF frisou que não tinha conhecimento deste caso, em particular, mas esclareceu "que tem vários inquéritos em investigação a decorrer na zona do Alentejo, por delegação de competências do Ministério Público (MP)”. Segundo dados enviados ao i, entre outubro de 2021 e “a presente data, o SEF efetuou 54 verificações laborais, 7 operações de fiscalização em exploração agrícola e habitações, tendo identificado 569 cidadãos estrangeiros, destes 35 encontravam-se em situação irregular”. A autoridade referiu igualmente que “durante este período foram averiguadas 4 denúncias e efetuadas 5 participações ao MP (4 por Auxilio à Imigração Ilegal e 1 por Procuradoria Ilícita)”.