Sócrates pode ficar para sempre no Brasil

De recurso em recurso, José Sócrates vai adiando as decisões relativamente ao seu envolvimento na Operação Marquês. No Brasil, surgem duas hipóteses de o antigo PM evitar um eventual processo de extradição.

A novela do envolvimento de José Sócrates, antigo primeiro-ministro do país, na Operação Marquês parece não ter fim. O antigo secretário-geral do PS, que liderou o Governo entre 2005 e 2011, levantou poeira nos últimos tempos, ao revelar-se que teria realizado várias viagens ao Brasil, numa altura em que se encontra com Termo de Identidade e Residência.

O procurador Vítor Pinto acabou por solicitar ao Juízo Central Criminal de Lisboa que notificasse o ex-primeiro-ministro, com o intuito de que o mesmo explique as suas ausências no Brasil, superiores a cinco dias. Tais ausências constituem, defende Vítor Pinto, uma «violação de obrigação decorrente do termo de identidade e residência [a medida de coação mínima] a que se encontra sujeito», conforme se lê no requerimento.

O antigo primeiro-ministro, no entanto, tem uma opinião diferente. A defesa do antigo governante entregou, na segunda-feira, o requerimento sobre as viagens que tem realizado ao Brasil, ao Tribunal Criminal de Lisboa, onde argumenta que Sócrates «não tinha nem tem obrigação alguma de comunicar e, muito menos, de prestar a Tribunal ou a processo algum qualquer tipo de informação relativamente a tais deslocações». No mesmo documento, o antigo PM confirmou as tais viagens ao Brasil, para «cumprimento de obrigações académicas no Doutoramento que frequenta na Universidade Pontifícia de São Paulo».

O Nascer do SOL sabe, no entanto, que de recurso em recurso, e com uma de duas hipóteses, José Sócrates pode valer-se da estadia no Brasil para evitar uma eventual extradição para Portugal, caso venha a colocar-se essa hipótese sobre a mesa. Por um lado, fonte da investigação revelou a este jornal temer que o antigo PM possa fugir a uma eventual extradição, caso venha a casar no Brasil, com uma pessoa natural desse mesmo país, o que impediria um processo de extradição.

Esta não é, no entanto, a única hipótese: Caso Lula da Silva, antigo Presidente brasileiro e candidato atual, vença as eleições presidenciais do Brasil, marcadas para outubro deste ano, abre-se também uma porta para uma estadia de longa duração de Sócrates no Brasil. É que, caso Lula vença poderá atribuir a Sócrates o mérito de cidadão honorário brasileiro, o que impediria também o tal eventual processo de extradição. Afinal de contas, o respeito e amizade entre os dois políticos não é segredo para ninguém. «Acho que Lula está a conduzir muito bem a próxima batalha, e não apenas muito bem, mas com uma responsabilidade e com uma maturidade política que faz falta em muitas regiões do mundo, como, por exemplo, em França» afirmou o ex-primeiro-ministro José Sócrates, em entrevista ao canal televisivo do site Brasil 247.

Entretanto, o procurador do Ministério Público que está a acompanhar o julgamento de José Sócrates, por falsificação de documentos e branqueamento de capitais, enviou um pedido ao MP, de forma a obter junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) informação sobre as «saídas do território nacional e subsequentes entradas» do antigo primeiro-ministro, entre 9 de abril de 2021 até à «presente data». Um pedido que pretende «aferir o grau de violação das obrigações impostas». Ou seja, a tal comunicação de saídas da residência por mais de cinco dias, tendo Sócrates falhado a prestação de informação detalhada ao tribunal sobre as suas viagens ao Brasil.

Vitor Pinto respondeu entretanto às declarações de Sócrates, que afirmou não ter obrigação de comunicar as viagens ao Brasil, declarando a situação como um «arrazoado», no qual a defesa de José Sócrates mostrou o seu «singularíssimo entendimento» das obrigações do Termo de Identidade e Residência.

De recurso em recurso

José Sócrates tem conseguido, com a introdução de uma sequência de recursos, adiar a ida a tribunal relativamente aos seis crimes em que foi pronunciado para julgamento no âmbito da Operação Marquês. 
O mais recente prendeu-se com uma alegada falta de sorteio eletrónico de juiz  na distribuição no Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a sua nulidade. Em questão está então o afastamento do coletivo de juízas desembargadoras do Tribunal da Relação, acusando que a «ausência de sorteio eletrónico e aleatório» da juíza representa «motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade».

O processo foi «pura e simplesmente atribuído» à juíza desembargadora adjunta, «sem precedência do sorteio eletrónico e aleatório legalmente exigido», acusou a equipa legal de Sócrates, argumentando ainda que os procedimentos legais foram «ignorados». Palavras de Pedro Delille, advogado de Sócrates, que apontou também o dedo a outras irregularidades, alegando não ter sido notificado como advogado de Sócrates para o ato de distribuição, e acusando a «ausência do Ministério Público» e «inexistência ou omissão de documentação» para formalizar e confirmar a distribuição do processo. O incidente de recusa apresentado, que terá que ser decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, praticamente coloca toda a Operação Marquês em pausa, já que a questão da alteração substancial dos factos esteve no centro da contestação à decisão do juiz Ivo Rosa, datada de 9 de abril de 2021.

Sócrates tem avançado com várias tentativas de adiar a sua ida aos tribunais. Se este foi o último caso, só no decorrer do último ano deram entrada cinco recursos e uma queixa. Já fez um ano, no passado mês de abril, da sexta-feira em que Ivo Rosa fez a leitura da decisão instrutória da Operação Marquês, ilibando Sócrates da maior parte dos crimes (31) que lhe eram imputados pelo MP. Não há data para o julgamento.