As novas vidas dos Guns N’ Roses

Já foram uma das bandas mais perigosas do mundo, repletas de quezílias internas que representaram a sua implosão, mas, agora, os Guns n’ Roses, reunidos com os membros da formação clássica, Slash e Duff McKagan, parecem reconciliados e prontos para uma nova vida, que irão demonstrar aos portugueses este sábado no Passeio Marítimo de Algés.

Tem sido uma experiência divertida e estou muito feliz por, depois de tantos anos de negatividade, estarmos a conseguir ultrapassar todos esses problemas e a conseguir voltar a estar juntos e a fazer música», confessou o inconfundível guitarrista, Slash, dos Guns n’ Roses, que vão estar este sábado, 4 de junho, no Passeio Marítimo de Algés, em Lisboa, depois de ter sido questionado pela Consequence of Sound sobre o regresso do grupo responsável por hinos como Welcome to the Jungle, Sweet Child O’Mine ou Paradise City.

«Quando nos juntámos existia uma grande quantidade de questões por responder, uma vez que o nosso objetivo era apenas fazer uma série de concertos nos festivais Coachella», explicou o músico, «mas acabou por existir um efeito de bola de neve durante essa tour que se tem prolongado desde então».

A reunião dos Guns n’ Roses parece tão surpreendente para Slash como para os seus fãs. «Nunca na minha vida pensei voltar a ver o Axl Rose e o Slash a partilhar um palco juntos», escreve um fã na secção de comentários de um vídeo de um dos mais recentes concertos deste grupo, referindo-se à conturbada separação do grupo depois de um conflito interno entre o vocalista e o guitarrista.

Mas não é apenas Slash que voltou aos Guns, Duff McKagan baixista e também fundador da banda de Los Angeles também se reuniu, em 2016, com os seus antigos colegas para subir aos palcos.

«Durante um certo período estávamos todos certos de que nunca iríamos conseguir voltar a fazer uma reunião do grupo… mas estamos todos a entendermo-nos bem depois de todo este tempo e isso é muito bom», disse Rose numa entrevista de rádio com o baterista dos Aerosmith, Joey Kramer.

A palavra-chave nesta entrevista é o «tempo» e como ajudou a sarar as feridas entre os membros daquela que outrora foi considerada a banda mais perigosa do mundo permitindo o regresso aos palcos e a criação de novas músicas.

Diversão e jogos

Poucas foram as bandas que conquistaram o mundo tão rapidamente quanto os Guns n’ Roses. Nascidos das cinzas de ex-membros das bandas Hollywood Rose e L.A. Guns, em 1984, o alinhamento «clássico» da banda acabaria por ficar finalizado com, para além dos três membros acima citados, com o guitarrista Izzy Stradlin e o baterista Steven Adler.

Com uma mistura de influências que iam desde o hard rock, o heavy metal ou o glam metal até ao blues rock e o punk, misturado com a sua atitude selvagem e violenta, o grupo começou a criar uma reputação como uma das bandas mais interessantes do momento. «Os Guns n’ Roses são aquilo que todas as bandas de Los Angeles estão a fingir ser», disse o músico country Steve Earle, em 1989. 

Dois anos depois da formação do grupo e de uma série de exaustivos concertos no circuito de clubes de Los Angeles, foi lançado o seu primeiro disco, Appetite for Destruction, e nada voltaria a ser o mesmo para os cinco membros deste conjunto. 

As doze músicas que surgem no disco são centradas nas experiências dos músicos e relatos das zonas mais perigosas e esquecidas de L.A. e possui um imaginário quase pornográfico que, segundo críticos, muito dificilmente seria possível nos tempos que correm.

«Quanto a vocês não sei, mas quando ouço o Appetite For Destruction não penso ‘lembras-te dos tempos em que isto aconteceu’, mas sim, ‘lembras-te dos tempos em que era possível isto acontecer’», descreve David Bennnun do blog Quietus numa crítica, publicada em 2017, que celebrava os 30 anos do disco de estreia dos Guns n’ Roses. «Não se enganem, a primeira vez que os Guns n’ Roses surgiram eles eram cruéis, sórdidos, odiosos, selvagens, imperdoáveis – e absolutamente incríveis. Se não fossem todas as coisas acima mencionadas, nunca teriam sido a última».

Relatos sobre o seu consumo de heroína, em Mr Brownstone, e de álcool, Nightrain, sobre ter relações sexuais com gropies (a música Rocket Queen conta com uma gravação de gemidos de Adriana Smith, uma ex-namorada de Adler, com quem Rose fez sexo na cabine de som) ou sobre a loucura de ser um jovem de uma pequena comunidade de repente a viver numa cidade caótica (Rose nasceu em Lafayette, no estado de Indiana, e só se mudou para Los Angeles no início dos anos 1980), no hino Welcome to the Jungle, distanciou os Guns dos seus contemporâneos do glam rock, devido ao realismo e agressividade do seu estilo e canções.

«Este não é um álbum simpático. Não foi feito por pessoas simpáticas. É extraordinário, feio e um disco sensacional que só poderia ter sido concebido por pessoas horríveis», escreveu Bennun.

Contudo, avaliar este disco só pelas «malhas» seria incorreto. Existe uma evidente sensibilidade pop que ajudou a catapultar a banda para um nível de fama alcançado por muito poucos. 

Esta traço é evidente na música Paradise City, onde, apesar de Slash ter sugerido utilizar a frase «Where the girls are fat and they’ve got big titties», a vontade de criar uma música inspirada pela nostalgia e a vontade de regressar à sua cidade natal, optando então pelo clássico verso «Where the grass is green and the girls are pretty».

Neste momento, os seus astutos companheiros de banda resolveram a diferença entre a banda ser um sucesso de culto e o super-estrelato», pode ler-se no texto do crítico. «Se os Guns tivessem optado por seguir por essa veia suja, eles poderiam ter vendido 3 milhões de discos em vez de 30 milhões».

O disco de estreia da banda viria a tornar-se um dos mais vendidos de sempre em todo o mundo e colocaria os Guns como uma das bandas mais imperdíveis, lançando ainda outros álbuns clássicos como G N’ R Lies (1988), o álbum duplo Use Your Illusion (1991), que conta com a November Rain, e o mal amado The Spaghetti Inicident? (1993), mas todo este sucesso seria constantemente acompanhado por controvérsias, discussões e o consumo excessivo de drogas que levaria ao afastamento de todos os membros originais da banda com exceção de Axl Rose, que acabou por carregar a banda como um corpo moribundo nos anos seguintes com os mais diversos músicos.

Novas vidas

Enquanto o único membro fundador da banda, Axl Rose controlava o grupo como uma ditadura, escolhendo a dedo quem entrava e saía da banda, os produtores com quem trabalhava (onde estava incluído Moby, com o objetivo de ajudar o músico a introduzir elementos de música eletrónica e industrial no som do grupo), algo que o ajudou a escolher o nome do primeiro disco da banda sem o alinhamento clássico, Chinese Democracy.

“Existem muitos movimentos democráticos chineses, e é algo sobre o qual se fala muito, e é algo que será bom de se ver», explicou Rose, em 1999, numa entrevista onde anunciou o lançamento do disco, referindo-se ao debate que existe sobre o sistema político chinês, onde cientistas e políticos divergem sobre se a China vive numa democracia ou numa ditadura. «Senti que poderia funcionar como uma declaração irónica. Não sei, gosto do som desta expressão e acredito que faz sentido com os diferentes sons deste disco. Tem algumas músicas pesadas, tem muitas músicas agressivas, mas todas em estilos e sons diferentes. É verdadeiramente um caldeirão de influências».

Apesar do grupo ter começado a trabalhar neste projeto em 1997, devido a constantes problemas pessoais, com o abuso de substâncias de Rose, técnicos, impulsionados pela constante mudança de profissionais a trabalhar no disco, e até legais, com a editora Geffen a terminar a sua relação com o grupo citando que estes ultrapassaram todos os orçamentos, deixando assim a obrigação e responsabilidade de terminar o disco nas mãos de Rose.

O disco só seria lançado em 2008, com a banda a publicar o disco na integra na sua página de MySpace, que acabou por se tornar, na altura, o álbum mais «streamado» dessa rede social, e recebeu críticas mistas, com alguns jornalistas a elogiarem o estilo «ousado» e a tentativa de se reinventar de Axl Rose, enquanto outros criticaram o facto do álbum ser «demasiado produzido» e de ser «cansativo». A receção ao disco foi tão polarizadora que este acabou por surgir tanto em listas de melhores álbuns do ano como nos piores.

O crítico musical Jim DeRogatis comparou o Chinese Democracy com o Padrinho III, «um trabalho de final da carreira de um artista amado do qual nunca pensaríamos ver algo novo», mas que «não era nem de perto nem de longe bom o suficiente para ser uma realização artística igual».

Entretanto, os outros membros dos Guns n’ Roses iam mantendo-se ocupados com outros projetos. Slash e Duff McKagan (assim como Matt Sorum, que tinha sido baterista entre 1990 e 1997 neste grupo) uniram esforços com Scott Weiland dos Stone Temple Pilots para formar o super grupo Velvet Revolver, alcançando algum sucesso comercial e critico, chegando a vencer um Grammy.

O guitarrista chegou inclusive a criar um projeto a solo, lançando primeiro um disco homónimo (2010), com diversos convidados, e, mais tarde, viria a lançar mais quatro discos acompanhado pela voz de Myles Kennedy, vocalista do grupo Alter Bridge.

McKagan chegou a colaborar com diversos bandas e músicos, como os Alice in Chains ou os Jane Addiction e também os Hollywood Vampires, um supergrupo formado por Johnny Depp, Alice Cooper e pelo Joe Perry dos Aerosmith, enquanto Stradlin formaria o seu projeto a solo, Izzy Stradlin and the Ju Ju Hounds, e Adler criou o projeto Adler’s Appetite, uma banda que, para além de material original, também toca músicas do disco Appetite for Destruction.
Depois de anos, em que cada músico parecia ocupado a seguir a sua própria carreira, em 2016, tudo mudaria. Depois de inúmeras mudanças no seio dos «novos» Guns n’ Roses, começaram a surgir inúmeros rumores que o grupo ia ser cabeça de cartaz do Coachella num concerto que prometia a reunião do grupo com Slash e McKagan.

Esta reunião acabou por se confirmar e foi um sucesso tão grande que o grupo iria continuar a tocar juntos naquela que ficou conhecida como a Not in This Lifetime… Tour, onde, apesar de Axl ter partido o pé e sido obrigado a atuar sentado no «trono» que Dave Grohl dos Foo Fighters tinha usado quando partiu a sua perna, a série de concertos foi um êxito financeiro gigante, lucrando mais de 480 milhões de dólares (cerca de 447 milhões de euros), tornando-se assim a segundo tour mais lucrativa de sempre, perdendo o primeiro lugar para a tour de concertos 360º dos U2. 
Numa entrevista ao podcast No Guitar Is Safe, Slash descreveu o primeiro concerto de reunião como uma experiência «arrebatadora» e «divertida». «Já tinha passado demasiado tempo – estamos a falar de mais de 20 anos desde o último espetáculo em 1994. Obviamente eu toquei com o Duff [desde então], mas há uma certa dinâmica entre nós os três. Foi incrível e é uma experiência realmente ótima», confessou o guitarrista, que atualmente se encontra na segunda tour desde a reunião da banda, We’re F’N Back, 

Depois dos Guns n’ Roses parecerem estar enterrados e condenados a um constante ciclo de problemas, esta nova vida do conjunto parece estar a colocar estes músicos novamente no topo do mundo e, este ano, chegaram inclusive a editar músicas novas pela primeira vez desde o lançamento de Chinese Democracy, Adsurd (estilizado com o «r» ao contrário) e Hard Skool.

Apesar de não ser música nova, estas nasceram das sessões do último disco do grupo, vários membros da banda apontam para um novo disco de originais do conjunto. «No que diz respeito a um novo álbum dos Guns, ainda não chegámos ao ponto de realmente nos sentarmos e escrever», explicou Slash, acrescentando ainda que a banda deve lançar ainda mais faixas inéditas. «Estou a gostar de trabalhar nestas coisas e estou a divertir-me a fazê-lo”.

A ressurreição dos Guns n’ Roses pode não trazer um novo Appetite For Destruction, algo que parece impossível. Já não estamos perante as mesmas pessoas «horríveis» que criaram esse disco. Estamos perante homens que amadureceram souberam admitir os seus erros e estão prontos para seguir uma nova vida lado a lado com os seus velhos companheiros.