Morreu Paula Rego!

Paula Rego é, de facto, uma mulher extraordinária pela obra que realizou, mas também pelas causas defendidas por ela

Há alguns anos atrás tive o privilégio de poder entrar na capela da residência oficial do Presidente da República e de contemplar as obras de arte elaboradas por Paula Rego sobre alguns mistérios da vida de Jesus Cristo e da Virgem Maria. 

Eu digo o privilégio não tanto por poder contemplar as obras de arte de Paula Rego na capela da residência oficial, mas porque serão poucos os portugueses que tenham já entrado naquele espaço. Era, então, Cavaco Silva o Presidente da República.

Não sou perito em arte… sou curioso, apenas! Gosto de ver, como todos os homens comuns, e dizer que gosto ou não gosto, mas, acima de tudo, gosto de ler o que não está escrito e de contemplar na pintura o que não está pintado. 

Paula Rego é, de facto, uma mulher extraordinária pela obra que realizou, mas também pelas causas defendidas por ela. É notório nas suas obras a paixão pelo feminino. As mulheres são habitualmente marcadas por uma certa masculinidade, mas também por uma certa semelhança com as mulheres que saem do campo… feições demarcadas, quase se vê o bigode.

Era uma acérrima defensora da dignidade da mulher e usava o seu talento como manifesto de defesa. Subscrevo muitas das questões que li e ouvi das suas entrevistas… A figura da mulher não pode ser tratada hoje como tem sido tratada ao longo dos séculos. Temos de ter isto claro…

É evidente que fiquei escandalizado quando soube que há discriminação no trabalho entre homens e mulheres. Pensei que não seria possível que o mesmo trabalho feito por homens e por mulheres tivesse ordenados diferentes. 

É escandaloso que haja, nos dias de hoje, não apenas em África, mas também em Portugal, a mutilação genital feminina. Essa prática horrível de mutilarem os genitais das crianças é uma prática que deveria ser absolutamente proibida.

Paula Rego usava, de facto, a sua arte para defender a condição feminina, o génio feminino que inunda a alma da mulher. É, sem dúvida, uma arte que cria na alma de quem vê um impacto que não deixa ninguém indiferente.

Uma causa que Paula Rego impulsionou foi o aborto. Defendeu com unhas e dentes o direito da autodeterminação da sexualidade feminina e o direito a abortar, ou seja, de tirar o bebé que está no interior da mulher. 

Foi esta artista que Jorge Sampaio convidou a elaborar um programa iconográfico para a capela do Palácio de Belém… e os quadros são magníficos… mostram bem a alma de Paula Rego. Ela transporta a revolução interior para a própria Virgem Maria. 

O impacto que criaram em mim foi de uma repulsa tal que não conseguir estar muito tempo a contemplá-los… esta é a artista que defende a mulher, que defenda a sua autodeterminação e isso é um dom que ninguém lhe pode tirar. Mas naquele momento pensei… quem nos defende a nós, os cristãos? 

O coração saltou-me da caixa e a revolta da Paula Rego passou para o meu peito… Como podemos ver a representação da Virgem Maria daquela forma! Como é possível que haja defensores das mulheres, defensores dos cachorros e dos gatos, até das galinhas há defensores e ninguém dos defende de imagens ofensivas que mexem com a vida interior de tantas mulheres do nosso país.

Lembro-me que o Professor Mota Amaral me convidou para ir ver os quadros durante aquele encontro. Não me lembro propriamente o que lhe disse, mas lembro-me de ter sido um pouco indelicado e ainda não tive a oportunidade de lhe pedir perdão. 

O espírito da Paula Rego passou para mim! A partir daquele momento eu pensei que todas as mulheres devem ter o direito de serem defendidas… e quando digo todas, é todas… também a Virgem Maria deve estar incluída no leque das mulheres a serem defendidas…