Evel estava com os dois braços partidos, envoltos em gesso, impossibilitado de os mexer, e deitava fumo pelas orelhas. Dois braços partidos não eram nada para quem, ao longo da carreira, fraturou 433 ossos nas mais variadas partes do corpo. Por isso meteu-se num avião em direção à Califórnia decidido a dar uns violentos pares de chapadas (gostava de ver qual seria o sistema dele, tendo em conta que só as pontas dos dedos espreitavam daquelas prisões de gesso) em Shelly Saltman, o fulano que acabara de publicar um livro intitulado Evel Knievel on Tour e que fora o produtor do seu célebre salto de moto sobre o Snake Canyon num género de foguete. Shelly fora muito pouco simpático com Evel ao longo das páginas que escrevera. Basicamente arrastou-lhe o caráter na lama ao divulgar que abusava da mulher e iniciara os filhos no consumo de drogas. Quando entrou pelo gabinete de Shelly, ao tempo um dos figurões da 20th Century Fox, já Knievel tinha percebido que dar chapadas no estado em que se encontrava não dava jeito nenhum. Por isso agarrou-se a um taco de basebol feito de alumínio e gritou: «I’m going to kill you!». Em seguida desancou como pôde o antigo amigo, e pôde muito: Saltman foi tentando proteger a cabeça com o braço esquerdo e acabou por ficar com ele em tal estado que até ao fim da vida foi sujeito a uma série de intervenções cirúrgicas e teve de usar placas de metal para substituir pedaços de osso que ficaram completamente estilhaçados.
Finalmente desistiu e desmaiou. E Evel parou de o massacrar. A primeira parte da sua vingança estava completa. Não tardaria a lançar-se na segunda: um processo judicial que levaria o editor a retirar a obra do mercado.
Dizem que a coragem é a arte de dominar o medo. Sábias palavras que tenho dúvidas terem sido escritas para caberem na personalidade de Robert Craig Knievel. Na verdade, o homem era completamente desaparafusado. Nascido em Butte, Montana, no dia 17 de outubro de 1938, o seu sangue era uma mistura bruta de alemão e irlandês por parte de pai e mãe e respetivos avós e bisavós emigrantes. Cedo se apaixonou por motos e por uma certa forma enlouquecida de as conduzir, algo que deixava os pacatos habitantes de Butte de cabelos em pé, se não fossem glabros, como está bem de ver. Com um compincha de nome de guerra Awful Knofel, assumiu a personalidade de Evel Knievel e trataram ambos de irritarem de tal forma as autoridades do distrito que foram parar com os costados a uma cadeia um bocado infeta por conduta perigosa.
A vida de Evel foi sempre confusa. Fez o serviço militar, dedicou-se ao hóquei sobre o gelo até que uma trafulhice um bocado mal-amanhada, que meteu o roubo descarado da receita de um jogo amigável entre os Bombeiros de Butte e a equipa olímpica da Checoslováquia que estava na Califórnia a preparar os Jogos Olímpicos de Inverno de 1960, casou-se, teve filhos, ganhou a vida como pescador até que começou a sentir uma certa necessidade de algum conforto monetário. O que, no seu caso particular, significou dar o corpinho ao manifesto, literalmente falando. O seu primeiro espetáculo público e pago, organizado e publicitado por ele mesmo, oferecia aos espetadores um salto arrepiante de Evel sobre trinta metros de jaulas contendo cascavéis e dois leões da montanha. Caiu positivamente de costas, mas para lá dos bichos, o que pôde considerar-se uma vitória saborosa. A partir desse momento, resolveu fazer vida daquilo.
Evel Knievel tornou-se um saltimbanco, percorrendo todas as cidades dos Estados Unidos e inventando números cada vez mais arrojados, começando por saltar sobre fileiras de carros cada vez mais longas. As suas vilegiaturas em hospitais, geralmente devidas a fraturas, também passaram a ser uma espécie de inevitabilidade. A certo ponto, já conhecia as enfermeiras e os médicos todos por tu, embora em inglês ninguém trate ninguém por tu, como se sabe. Enfim, a intimidade estava lá. E os ossos remendados também.
Talvez o salto mais famoso de Evel tenha sido aquele que não fez sobre o Grand Canyon. Prometeu a si próprio e a todos os seus fãs que iria fazê-lo mas o Ministério do Interior considerou o espaço aéreo sobre o local como interdito. Arrogante como sempre, Knievel limitou-se a dizer: «Por mim até saltava daqui até à lua, mas não quero ser o segundo homem a lá chegar». Pouco tempo depois, escavacou a pélvis perante 90 mil espetadores, em Wembley, ao tentar saltar sobre 13 autocarros de dois andares estacionados uns ao lado dos outros.
Em outubro de 1977, Evel Knievel estava na cadeia. Dera um salto definitivo para a indigência. Ter esbagaçado o braço de Shelly refletiu inevitáveis consequências. Já era uma figura amplamente reconhecida, participava em shows televisivos e até tinham feito um filme sobre a sua vida. Mas não pode pagar os 13 milhões de dólares que o tribunal definiu como indemnização. Caíra na bancarrota. Quando morreu, feito numa papa por dentro, trinta anos depois, uma manchete de jornal perguntou, simplesmente: «Superman just doesn’t die, right?».