por Fernando Santos e Silva
Engenheiro eletrotécnico, ex-técnico do Metropolitano de Lisboa
O recente episódio, neste mês de junho, das filas de espera nas chegadas ao Aeroporto Humberto Delgado (AHD), em Lisboa, poderá não ser um fator de desencadeamento (expressão utilizada no contrato de concessão das instalações à ANA/Vinci de dezembro de 2012), uma vez que problemas de gestão poderão não ser evitados num aeroporto novo. Contudo, aparentemente, a retoma turística e as perspetivas de crescimento do turismo sugerem que se deverá acelerar a solução do aeroporto novo na região da capital ou de um complementar, sem que a avaliação estratégica ambiental perturbe o desenrolar do processo.
Parece, nesse sentido, que o XXIII Governo, liderado por António Costa, quer terminar tant bien que mal, com ou sem acordo da Assembleia da Republica, como exigirá o art.165º.z (competência exclusiva da AR para o ordenamento do território), a discussão sobre a necessidade de um novo aeroporto, de raiz ou como complementar do AHD. Basta ver o despacho nesse sentido, desta semana, do Ministério das Infraestruturas, de Pedro Nuno Santos, e a sua imediata revogação pelo primeiro-ministro. O despacho revogado falava nas possíveis localizações e datas de entrada em serviço (Montijo 2026, CTA Alcochete 2035). Observo que parece afastado o aumento de capacidade do AHD dos atuais 38 para 48 movimentos por hora (taxiway Norte/Nascente e sistema de controle Topsky).
Sobre a problemática do novo aeroporto poderá o leitor documentar-se com proveito consultando o site do Parlamento e assistindo aos vídeos com as audições na Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação (CEOPPH).
Neste artigo, limitar-me-ei, a propósito da moção nesse sentido aprovada por unanimidade na Assembleia Municipal de Beja, a imaginar uma fase 0 como complemento, ou melhor, apoio esporádico ao AHD em caso de dificuldades nas chegadas a Lisboa, enquanto não se executarem as prometidas e sempre adiadas obras do novo aeroporto.
Supondo que, nas 10 horas mais carregadas, se pretende que aterrem em Lisboa 15 aviões por hora desembarcando 3000 passageiros, admitamos que desviamos 10% do tráfego para o aeroporto de Beja, isto é, 300 passageiros por hora durante 10 horas.
Atualmente, nesta imaginada fase 0, a viagem por comboio de Beja a Lisboa/Entrecampos demora cerca de 2h05m, com transbordo em Casa Branca, porque a linha desta para Beja não está eletrificada, o que obriga os passageiros a mudar para o Intercidades Évora-Lisboa. Teríamos ainda de contar com 25 minutos para a viagem de autocarro entre o aeroporto de Beja e a estação ferroviária desta cidade (cerca de 10 km), o que dá 2h30m para a viagem aeroporto de Beja-Lisboa/Entrecampos.
Não é famoso, mas as companhias low cost saberiam compensar os seus passageiros com descontos atrativos e a ANA/Vinci saberia aplicar taxas também atrativas (considerar o potencial turístico do Alqueva e da zona envolvente).
Considerando composições para 300 passageiros, com quatro carruagens, teríamos uma composição por hora durante as 10 horas referidas. Admitindo uma ida e volta em seis horas (para este cálculo, em vez dos dois comboios e do transbordo, pode considerar-se um comboio único) e um intervalo de partidas de uma hora, necessitaríamos de seis composições funcionando 10 horas. E aqui reside o principal problema da fase 0: não sabemos se a CP poderá disponibilizar esse material circulante nem as respetivas tripulações.
Uma alternativa seria o autocarro: uma hora até às portagens de Grândola da A2 mais 1h30m até Lisboa, ou também 2h30m. Teriam de ser 300/50=6 autocarros por hora ou 36 autocarros no total durante 10 horas. A alternativa para Faro seria 1h até à A2 mais 1h40m até Faro.
Em resumo, se a CP e as rodoviárias dispuserem de material circulante e da respetiva tripulação, poderão absorver-se excessos de afluência no AHD da ordem dos 10% através do aeroporto de Beja.
Se entretanto as obras do novo aeroporto ou do aeroporto complementar também se atrasarem, até porque terão de ser complementadas com as acessibilidades ferroviárias e rodoviárias, poderá pensar-se numa fase 1 de apoio pelo aeroporto de Beja: construção de um troço de 12 km de linha nova em via única entre a estação e o aeroporto de Beja e entre este e um ponto mais a norte da linha existente para Casa Branca: estimativa de 60 milhões de euros e tempo de construção de um ano, o que permitiria reduzir a 2h10m a ligação a Lisboa.
Mantendo-se a falta de novo aeroporto ou complementar, a fase 2 consistiria na construção de 60 km de linha nova Beja-Aeroporto-Casa Branca em via dupla eletrificada: estimativa de 500 milhões de euros, tempo de construção de dois anos e redução para 1h40m (a ligação atual de 110 km entre Casa Branca e Entrecampos, pela linha eletrificada de Évora, faz-se em 1h10m).
Mantendo-se a falta, a fase 3 consistiria na construção de 70 km de linha nova Casa Branca-Pinhal Novo em via dupla eletrificada: estimativa de 600 milhões de euros, tempo de construção de dois anos e redução para 1h10m.
Tudo isto são estimativas, que serão contrariadas pelas dificuldades financeiras, apesar das verbas comunitárias do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) e dos planos de apoio à descarbonização, e das dificuldades de planeamento e da falta de hábitos de análise dos problemas e de trabalho em equipa.
Mas ficam as estimativas.